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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Em busca do comportamento leitor

"Compare o ato de leitura com o que acontece quando se faz café:
O pó de café fica no filtro, fora do bule. As palavras escritas pelo autor ficam no livro... Fora do leitor.
Mas a água que passou pelo filtro deixa de ser água e passa a ter o gosto, o cheiro e a cor do que não está ali e aparentemente ficou de fora.
Um leitor nunca mais será a mesma pessoa depois de ler um texto. Ele pode gostar ou não, entender ou não, porém passará a ter o gosto, o cheiro e a cor do que não está ali e aparentemente ficou de fora."

Marco Antonio Hailer

O Açúcar (Ferreira Gullar)


O branco açúcar que adoçará meu café
Nesta manhã de Ipanema
Não foi produzido por mim
Nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
E afável ao paladar
Como beijo de moça, água
Na pele, flor
Que se dissolve na boca. Mas este açúcar
Não foi feito por mim.

Este açúcar veio
Da mercearia da esquina e
Tampouco o fez o Oliveira,
Dono da mercearia.
Este açúcar veio
De uma usina de açúcar em Pernambuco
Ou no Estado do Rio
E tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
E veio dos canaviais extensos
Que não nascem por acaso
No regaço do vale.

Em lugares distantes,
Onde não há hospital,
Nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome
Aos 27 anos
Plantaram e colheram a cana
Que viraria açúcar.
Em usinas escuras, homens de vida amarga
E dura
Produziram este açúcar
Branco e puro
Com que adoço meu café esta manhã
Em Ipanema.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Felicidade

Não se acostume com o que não o faz feliz,

revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças,

mas não deixe que ele se afogue nelas.

Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!

Fernando Pessoa

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Concurso Cultural Diálogos na Mantiqueira

Resultado - Concurso Cultural Diálogos na Mantiqueira


É com muita satisfação que apresentamos as frases inscritas no concurso cultural Diálogos na Mantiqueira, em divulgação da comunidade virtual Diálogos na Mantiqueira, um registro memorial dos participantes do Festival da Mantiqueira – Diálogos com a Literatura, evento que acontece anualmente em São Francisco Xavier:


É preciso aperfeiçoar o comportamento leitor das crianças e jovens para a construção de novos sujeitos leitores. (Selma Cristina Freitas Pupim)

O foco na leitura representa o suporte necessário no sentido de despertar o comportamento leitor das crianças e jovens. Não fique de fora, leia! (Selma Cristina Freitas Pupim)

Ler é um processo de construção contínua. Cabe ao educador, à família e à sociedade envolver ativamente o leitor oferecendo os segredos de uma leitura reflexiva. (Selma Cristina Freitas Pupim)









O Confortável Sofá Amarelo bem clarinho..., de Lygia Bojunga Nunes

Por: Selma Pupim

Lygia Bojunga Nunes é considerada uma das mais interessantes escritoras brasileiras e uma das autoras mais lidas por várias gerações. Suas obras possuem um lado social forte e um estilo capaz de atingir temas complexos sem fazer restrições.


Sendo assim, sem abrir mão do imaginário, a obras da autora não se restringe ao espaço infanto-juvenil e consagra-se como uma leitura para todas as idades. Dessa forma, Lygia direciona suas obras a leitores, de modo abrangente, abordando temas relacionados ao cotidiano.

A autora constrói sua narrativa infiltrada de riquíssima fantasia, tomando elementos baseados na realidade, para discutir as suas evidentes preocupações sociais sem, contudo, deixar de lado sua função lúdica. Com uma linguagem própria, confere à sua produção um caráter único e capaz de influenciar o leitor na descoberta das mensagens que estão subjacentes em toda a sua escrita. Ficção e realidade se fundem.

O sofá estampado é, sem dúvida, uma obra que aguça a reflexão do leitor. A narrativa se estrutura em capítulos curtos, com uma riqueza de detalhes observada na descrição do sofá, que confere à história um ambiente aconchegante, ocupando o móvel, uma posição superior à da Dona-da-casa. Para a autora, que antropomorfiza seus personagens, o ser humano aparece como um mero detalhe, ou seja, de forma secundária.Sendo assim, “O resto todo da sala foi arrumado pra combinar com o sofá... Porque o sofá estampado não é só ele e pronto: é ele, e a Dalva” .(grifo nosso),(p.9)

A organização ficcional de Lygia, mantém um nível de criação verbal observado no uso de superlativos, na repetição de termos, na divisão silábica, para dar ênfase à oralidade, produzindo um jogo de linguagem que envolve o leitor, o conduz para o imaginário causando um encantamento.

Nesse sentido, a autora ultrapassa todos os limites em sua capacidade criadora, ao idealizar uma banheira capaz de transformar mágoa em pesquisa científica, num belo livro, numa descoberta médica ou até mesmo acabar com a poluição e com a fome que vai pelo mundo.

A obra de Lygia Bojuga Nunes, possui qualidades literárias que suprem a necessidade de fantasia do pequeno leitor ao público adulto. O prazer e a emoção que suas obras proporcionam contribuem de maneira significativa e duradoura para a literatura infanto-juvenil e, seguindo as palavras da escritora Ana Maria Machado, com a obra O sofá estampado não poderia ser diferente: “Leia e resista se for capaz”.


NUNES, Lygia Bojunga. O Sofá Estampado. 20. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1996.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Para apreciar e refletir


A construção de uma cultura de paz: semear, cultivar e deixar crescer a paz

Por: Selma Pupim

Sem dúvida, a construção de uma cultura de paz  representa um dos maiores desafios da contemporaneidade. Pois, com tanta violência que há no mundo, guerras civis, urbana e uma diversidade de conflitos, somente a fé e a perseverança para acreditar que podemos construir um mundo melhor às nossas futuras gerações. Nesse mesmo sentido, Nelson Mandela, preso durante 27 anos, por uma causa nobre representa um líder da paz por seu caráter firme e perseverança.
Alguns dizem que a paz é uma sensação de tranquilidade, eu ousaria dizer que a paz se faz representar, entre tantas coisas, por um barco parado no meio de um lago, numa preguiçosa tarde de domingo ... sem vento. Há  quem diga que a paz é pescar neste lago, dentro deste barco sem pensar em nada, apenas observando o pôr-do-sol. Há ainda quem diga que a paz é a total ausência de rancor, agitação, desconfiança, ou seja, a falta absoluta de qualquer tipo de violência ou sentimento negativo.
Enquanto houver vida, nosso dever de cidadão é buscar o contínuo aperfeiçoamento pessoal em busca de uma paz constante, só assim poderemos lutar contra os sentimentos que nos impedem de acreditar na existência de seres humanos verdadeiramente humanos.
Que a essa paz reine em nossos corações e depois vá contagiando a todos até que tenhamos por completo uma cultura de paz em nossos lares, nossas escolas, nossas vidas e um mundo sem injustiças e desigualdades de forma a concentrar todos os esforços para um objetivo comum: debater ações pontuais em relação aos direitos da pessoa idosa, bem como, a sua qualidade de vida!
Que possamos garantir uma convivência saudável, sem discriminação e com programas sociais que possam melhorar a qualidade de vida dos jovens, adolescentes, idosos. Para tanto, precisamos de muito investimento, mas não apenas financeiro, necessitamos de capital humano, de formação para professores, para gestores, para o trabalho voluntário, para sensibilização e de definição de políticas públicas para um mundo centrado na cultura da paz. Só então poderemos  semear, cultivar e deixar crescer a paz.

Missionários da leitura / Por Galeno Amorim


Ninguém é obrigado a ler. 
Nem a escrever, cantar ou dançar.
Ou a saber o significado das coisas. 
Porque ler é um ato de liberdade.
Espontâneo, introspectivo, libertário.
Ninguém nasce sabendo ler
Nem sabendo escrever, cantar e dançar. 
Ou apreciar cinema, teatro ou uma obra de arte.
É que ler (como tantas coisas na vida!)
não é um ato natural...
Natural é respirar, comer, andar. 
Se proteger do frio e do calor. 
Natural é sentir medo. É reagir.
Natural é desejar, o tempo todo, ser feliz
Ler é atitude. 
Que exige aprendizado, habilidade, investimento pessoal. 
Pede que se pratique. Até que vira gosto.
Ler é coisa do espírito.
Está sempre a exigir esforço, boa vontade, dedicação. 
Até que vira essência da alma.
Compete a todos prover e dar acesso aos livros.
E ser agente para a missão de espalhar a boa-nova.
Mas que isto seja com jeito, com delicadeza.
Com amor. Pois não há outra maneira de 
cultivar e cativar o bicho leitor.
Esse bicho que cresce com a sustança das boas histórias.
Com a sonoridade e o afeto que as palavras encerram.
E a instigação da sua capacidade de sonhar e inventar.
Trate-o com carinho. Como a um filho, que nasce, 
cresce e conquista a autonomia para voar. 
Que possa gostar de livros 
como a criança gosta da flor. 
E jamais se cure dessa vontade incurável de se
embebedar de palavras.
Porque vê sentido nelas. E delas precisa pra viver.
(como necessita do próprio ar que respira). 
Porque quando bebe dessa fonte,
decifra os sinais e descortina horizontes, 
sente, verdadeiramente, prazer.
Porque, enfim, agora é um leitor de mundo
esse sujeito capaz de apreender e de criar. 
De compreender e interpretar as coisas ao seu redor. 
De ser mais tolerante, de enxergar o outro. 
De se apropriar do conhecimento universal. 
E construir o seu... De alargar a inteligência, superar o improvável. 
Mas, sobretudo, de descobrir uma capacidade infinita de amar 
 para, então, transformar o mundo!
Porque, para quem lê, tudo é possível.

Galeno Amorim, 45 anos, é jornalista e autor de dez livros; é co-autor: Políticas Públicas do Livro e Leitura (OEI-Editora Unesp, 2006) e Os Desbravadores (Palavra Mágica, 2001), dos quais foi organizador; e Práticas de Cidadania (Editora Contexto, 2004).

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O Livro e a América

Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe — que faz a palma,
É chuva — que faz o mar.
                                                              
Castro Alves
 
Do livro: "Poetas Românticos

Curiosidade da Língua

Presidente ou presidenta?

Linguistas explicam a correção da palavra presidenta e mesmo a oposição vê no seu uso uma evolução dos costumes


A palavra “presidenta” existe na língua portuguesa desde 1872. E desde 1925 ela consta como verbete do dicionário Caldas Aulete. Mas quase um século depois de ser dicionarizado, o substantivo feminino de presidente ainda causa estranhamento e leva muitos leitores, que adota o uso do termo, a questionar sua correção ortográfica.
O principal argumento contra o uso de presidenta se baseia no fato de que na língua portuguesa existem os particípios ativos como derivativos verbais. Assim, quem ataca é “atacante” e não “atacanta”, mesmo em uma partida de futebol feminino. Dessa forma, o particípio ativo do verbo ser, que é “ente”, também não permitiria a flexão de gênero. Ela se daria apenas pelo artigo feminino que antecede a palavra.
Portanto, a forma correta, segundo essa teoria, seria sempre a presidente, como é a estudante ou a gerente. “Não existe estudanta porque ninguém reivindicou”, diz o linguista Marcos Bagno, professor da Universidade de Brasília. “Mas à presidenta, por ser um cargo único e muito importante, é mais do que justo que seja dado este direito.”
De acordo com as lexicógrafas Marina Baird Ferreira e Renata de Cássia Menezes da Silva, a origem de presidenta prende-se, é claro, ao vocábulo presidente, mas não por flexão e, sim, por derivação. “Houve a substituição da vogal temática (-e) pela desinência formadora do feminino em português (-a). Fato que se deu por analogia com inúmeras outras palavras da língua, como chefa e governanta”.
Para elas, não se trata de exceção, mas de uma possibilidade reconhecida pela história da língua. “Tal processo é possível no nosso idioma desde sempre, como se vê no substantivo feminino infanta, registrado na língua desde o século 13”, diz o parecer das lexicógrafas.
Para o professor da Universidade de Campinas Sirio Possenti a discussão é absurda. “Você tem um dicionário bom aí? Então, pronto”, responde à reportagem. Segundo ele, os termos “correção e aceitabilidade” não são universais, pois envolvem cultura ou política. “É correto? Pelos critérios das gramáticas e dos dicionários, sim. Mas é curioso que os que apelam para gramáticas para criticar “os livro” não aceitam as gramáticas quando abonam presidenta”, diz.
Possenti se refere à polêmica causada por um livro utilizado em 4.236 escolas públicas do País que considera como válida a expressão “nós pega o peixe”. Se outras palavras que ganharam o feminino por derivação, como mestra, monja, governanta e infanta não causam a mesma estranheza, qual o problema com a palavra presidenta?
A primeira resistência de muitas pessoas está na sonoridade. Como até hoje foi uma palavra pouco pronunciada, presidenta enfrenta uma barreira natural a ser superada pelo costume. Na Argentina, Cristina Kirchner prefere ser chamada de “presidenta” ou ainda “chefa de Estado”. No site da Casa Rosada, sede da Presidência argentina, ela é sempre tratada como “presidenta”.
Mas lá, talvez por já ter tido outra presidenta, a palavra não suscita o mesmo debate: praticamente todos os veículos de comunicação a adotam, mesmo os jornais de oposição, como o Clarin, chamam Cristina Kirchner de “presidenta”. “Os argumentos contrários (à palavra presidenta) podem vir da sua conotação política ou feminista”, diz o professor Possenti. “Se se tratar de problemas “de ouvido”, há duas soluções: ler mais ou ir ao otorrinolaringologista”.
De fato, menos de um ano depois do discurso da vitória de Dilma Rousseff, quando ela se anunciou publicamente como presidenta eleita, gerando a primeira onda de debates sobre o tema, a palavra começa a cair na rotina. Entre os políticos, poucos são os que não usam “a presidenta” (ou pelo menos não a usam ocasionalmente). A grande maioria o faz de forma natural, como o governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB). Mas outros dão a ela um sentido irônico, como um cacique do PMDB, descontente com Dilma, que se refere a ela como “essa presidenta”.

Disponível em: <http://migre.me/5HfnF>. Acesso em 15/09/2011.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Um Mundo de Imagens



Fevereiro/2007

Era Uma Vez..... “Patativa do Assaré”, na sala de aula


Selma Cristina Freitas Pupim
Considerações Iniciais:

A expressão "literatura de cordel" foi criada por estudiosos da cultura popular para designar os folhetos vendidos em feiras, em uma referência ao que se fazia em Portugal, onde cordel era sinônimo de livro impresso em papel barato, vendido a preço baixo e exposto em barbante, cordões, que mostravam as belezas do povo na literatura.
A leitura de cordel no Brasil tem sido intensa nos últimos anos e, dessa forma, nos questionamos: existe uma didática da leitura em sala de aula capaz de gerar o prazer de pensar e confrontar idéias diversas? A leitura propõe a conscientização do leitor como o autor de seu pensamento? Quais as concepções de literatura, leitura e leitor dos professores que se propõem a formar esses estudantes?
Assim sendo, a literatura de cordel na escola pode desencadear o alargamento dos
horizontes do leitor ao ser vivenciada por ele. Cabe ao professor selecionar textos de valor artístico aos seus alunos, pois quanto maior o distanciamento da manifestação popular, menor será o seu vínculo com a arte literária. 

Justificativa:


Tomando essa perspectiva como ponto de partida, nos interessamos em saber se é
possível trabalhar com textos de autores de cordel e de grande qualidade literária em sala de aula . Além disso, gostaríamos de encontrar um modo de estimular o aluno a ler literatura.
Trabalhar com literatura de cordel em sala de aula é oportuno porque é uma maneira de se envolver mais com a poesia. O cordel é muito interessante pelo fato de ser popular, abordar temas atuais e do cotidiano, além de ser uma literatura que valoriza as tradições populares, a linguagem do homem simples, toda a beleza que há na vida das pessoas do interior colocada de uma forma também muito linda no papel.
A poesia de Patativa do Assaré é considerada a mais bela da nossa literatura popular, pelo fato de cantar em seus versos problemas geográficos e sociais, que são enfrentados na região nordeste. Seus poemas se relacionavam com os problemas de sua terra, das injustiças sociais e da perseverança do povo nordestino que sobrevive e resiste ao clima e à política desfavorável da região.
A escolha do poema a Seca e o Inverno  como corpus literário para a realização do trabalho justifica-se pela importância artístico-literária que o poema representa na produção de literatura de cordel.
 As crianças do Nordeste têm muito contato com literatura. Desde muito cedo elas ouvem poesia, lendas e histórias, além disso, valorizamos a cultura popular e a apresentamos com muito respeito.
Com a intenção de sugerir novas formas de usar essa literatura como instrumento pedagógico, é possível criar um ambiente agradável de invenção e apreciação dos folhetos sem o tormento da criação obrigatória. Afinal, como dizia Carlos Drummond de Andrade, precisamos mais de amadores de poesia do que propriamente autores."
Objetivos:

Este trabalho tem como proposta descrever e analisar a recepção da Literatura de Cordel em sala de aula, com o intuito de contribuir teórica e metodologicamente para um deslocamento nas questões do ensino da literatura, procurando identificar e compreender as variáveis que levaram leitores participantes do projeto a apreciar o gênero.
Num trabalho contextualizado, é oportuno apresentar aos alunos os aspectos geográficos do nordeste, trabalhar a estrutura de linguagem dos folhetos: suas rimas, versos, estrofes.
Parece-nos pertinente, então, analisar o papel da literatura no contexto escolar e levar
às salas de aula o resultado dessas reflexões. Se o intuito do sistema educacional é promover a emancipação, o ensino da literatura torna-se fundamental.
Dessa forma, a atividade com a literatura popular deverá focalizar a recepção do texto, levando em consideração a compreensão do leitor em sua situação atual.
Metodologia:

O encanto no aluno nasce na forma como o professor apresenta o material. Quando se mostra um cordel como algo legal, contando a história, explicando o porquê do nome, mostrando as diferenças entre a linguagem escrita e a falada, isso produz no aluno o desejo de olhar aquilo com carinho.
Para alcançar esse objetivo, esse trabalho desenvolve-se em duas partes: a
primeira, de fundamentação teórica, aborda concepções dessa modalidade de texto e, conseqüentemente, explora considerações acerca da sociologia da leitura, dos problemas sociais enfrentados pelo povo nordestino; a segunda visa a interpretação da obra, de modo a buscar sua constituição literária, procurando identificar as variáveis que levam os alunos a apreciar ou a rejeitar a obra, bem como estudar a sua recepção pelos alunos de uma 7ª série do Ensino Fundamental da Escola Municipal de Ensino Fundamental “Adelaide Pedroso Racanello”, na cidade de Ourinhos – SP.
Primeiramente, analisaremos criticamente o poema A Seca e o Inverno a fim de expor seus elementos narrativos e refletir acerca das relações estabelecidas com o leitor. Em um segundo momento, descreveremos e interpretaremos a recepção da obra, bem como o processo de produção de cordel por esses alunos.
Entre outras atividades, os alunos poderão criar outros textos de cordel, utilizando como tema, uma festa de aniversário, uma balada ou um outro acontecimento, em pequenas trovas, construindo rimas.
Avaliação:

Por se tratar de uma pesquisa em andamento, pôde-se observar que, esses trabalhos com versos de cordel ajudaram a compreender aspectos relevantes do processo de aprendizagem da leitura e da escrita, além de resgatar aspectos da cultura nordestina. Permitiram, por exemplo, que se começasse a desvelar as razões pelas quais os alunos que apresentavam algum parentesco com Nordestinos pudessem se sensibilizar com os problemas vivenciados naquela região.
Além disso, acreditamos que o trabalho em sala de aula revela-se bastante significativo, já que muitos indivíduos têm contato com a leitura somente na escola.
No que se refere à linguagem oral, o avanço no conhecimento dessa leitura torna possível a compreensão do papel da escola no desenvolvimento de uma fala regional.
Considerações Finais:

Tendo em vista nossa preocupação em realizar uma pesquisa voltada para a prática
educativa, propomos uma abordagem sobre o poema de Patativa do Assaré, por alunos da 7ª série do Ensino Fundamental, de uma escola pública de Ourinhos, na região oeste do Estado de São Paulo, com o intuito de contribuir teórica e metodologicamente para o deslocamento nas questões do ensino da literatura. Com isso, pretendemos averiguar se é possível trabalhar em sala de aula com literatura regional, levando os alunos à compreensão dos aspectos formais, estilísticos e temáticos da obra.
Falar em leitura, portanto, é tratar de aspectos teóricos, metodológicos, assim como
problemas políticos, sociais, educacionais, acreditando que a leitura de cordel é o meio do ser humano entrar em contato com os problemas vivenciados pelo povo nordestino.
A leitura então, é capaz de proporcionar uma experiência singular com o texto literário que leva o leitor a ampliar as fronteiras do seu conhecimento, a adquirir novas vivências e a refletir sobre o seu cotidiano.
Diante dessas considerações, falamos de uma prática da leitura literária que estimule a formação de sujeitos. É possibilitando o acesso à literatura popular que o pensamento do homem e seus costumes na vida em sociedade serão evidenciados.


                                            A SECA E O INVERNO
Na seca inclemente no nosso Nordeste
O sol é mais quente e o céu, mais azul
E o povo se achando sem chão e sem
veste

Viaja à procura das terras do Sul
Porém quando chove tudo é riso e festa
O campo e a floresta prometem fartura
Escutam-se as notas alegres e graves
Dos cantos das aves louvando a natura
Alegre esvoaça e gargalha o jacu
Apita a nambu e geme a juriti
E a brisa farfalha por entre os verdores
Beijando os primores do meu Cariri
De noite notamos as graças eternas
Nas lindas lanternas de mil vaga-lumes
Na copa da mata os ramos embalam
E as flores exalam suaves perfumes
Se o dia desponta vem nova alegria
A gente aprecia o mais lindo compasso
Além do balido das lindas ovelhas
Enxames de abelhas zumbindo no espaço
E o forte caboclo da sua palhoça
No rumo da roça de marcha apressada
Vai cheio de vida sorrindo e contente
Lançar a semente na terra molhada
Das mãos deste bravo caboclo roceiro
Fiel prazenteiro modesto e feliz
É que o ouro branco sai para o processo
Fazer o progresso do nosso país

Memórias de um Sargento de Milícias em Quadrinhos

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.


Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.


Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.


Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.


Cecília Meireles

Reflexões sobre o romance moderno


ROSENFELD, Anatol. Reflexões sobre o romance moderno.In: Texto/Contexto.São Paulo: Perspectiva,1969,pp.75 a 97.

O processo da dissolução ou Entromantsierung, como chamou Hugo Friedrich, vem atuando na cultura e em diversos campos afins há mais de meio século. Em Dom Quixote , de Cervantes, já se via indícios da desilusão do homem ,que depois de se imaginar protegido dos deuses ou o centro de todas as coisas, percebe-se fragmento. Sem a perspectiva da totalidade e repleto de indagações, o indivíduo se sente debilitado frente ao mundo complexo e multifacetado em que vive. Esse fenômeno pôde e pode ser presenciado em diversos meios, sejam eles artísticos ou não. Mas, existiria realmente um Zeitgeist, espírito capaz de unificar diversos campos ligados à cultura, a tendências estéticas semelhantes numa mesma época ?
Esta é uma das três hipóteses que Anatol Rosenfeld, conceituado crítico literário, analisa em "Reflexões sobre o romance moderno", ensaio contido no livro Texto e Contexto, que teve sua primeira edição em 1969. Dividido em três macro tópicos que se subdividem em ensaios de acordo com o tema. "Reflexões sobre o Romance moderno" , não por acaso, encontra-se em " Reflexões Estéticas", o que elucida bem o debate sugerido acerca do Zeitgeist. Outras duas hipóteses são desenvolvidas pelo autor, que ao abordar as transformações artísticas da cultura ocidental, discorre sobre o processo da dissolução da estética realista, assim como algumas possíveis causas deste fenômeno que, de alguma forma, apresenta-se semelhante em campos considerados autônomos entre si, tais como : pintura, teatro e literatura .
O ensaio reflete , dentre outras coisas, como esse "espirito unificador", "há mais de meio século" espelha, por meio da arte, as diferenças sociais e oscilações da sociedade burguesa geradas essencialmente pelo capitalismo industrial e liberalismo econômico. Sem o tom historiográfico, mas com ampla abordagem histórica, Rosenfeld traça um panorama dos tempos, do homem e da arte ,principalmente, a partir da primeira metade do século XX.
Se, como afirmara Wolfgang Kayser, o romance caracteriza-se pelo "tempo, espaço e personagem" e tem o narrador como "principio formal essencial", a segunda hipótese apontada no ensaio, norteia o leitor sobre alguns fatores que poderiam ter influenciado e hegemonizado uma tendência de "desromantização": Numa sociedade em que o progresso econômico e tecnológico solapa a consciência coletiva em nome de uma ética individualista, o homem percebe-se desamparado meio a estruturas falíveis, e tal como um caramujo, volta para dentro de si no afã de compreender sua contemporaneidade. Uma das constatações do Zeitgeist desta época é a impossibilidade conciliatória do tempo objetivo, de uma sociedade que busca a produção material, com o universo subjetivo e imaginário de seus integrantes.
A partir deste ponto de vista, podemos entender a recusa da mimesis como mais um reflexo da não aceitação de uma realidade, considerada então, coercitiva. O homem percebe-se mais amplo do que formas "retratáveis". Os estados da alma exigem "a deformação das aparências" e o retrato não evidencia mais uma realidade. É a metamorfose (na arte) do indivíduo que se vê abandonado e incapaz de modificar o meio em que vive, e que não mais apresenta-se como agente (sujeito) mas antes, mero fragmento (objeto).
A sociedade, apesar de complexa , assume uma ótica particularizada e vertical, perdendo com isso, as múltiplas faces da perspectiva .O homem moderno estupefato ,num primeiro momento, pelo turbilhão de sensações internas, solitárias e incompreensíveis, (bastante representado pelos surrealistas adeptos da escrita automática) desenvolve a expressão distorcida, e as formas precisas passam a ser entendidas como ilusões representativas de algo abstrato e portanto falsas. Segundo Rosenfeld , a perspectiva reflete por si um ponto de vista, "uma visão antropocêntrica do mundo", impossível na idade média, em que o "o homem tem uma posição fixa no mundo e não uma posição face a ele" e difícil na atualidade, não mais pela falta de distanciamento frente ao mundo , mas pela imersão do indivíduo em si mesmo, representado pelo fluxo da consciência..
A segunda hipótese, portanto, analisa a recusa da arte ilusionista que não mais imita e nem tampouco representa , mas expressa algo. No teatro , os espetáculos rejeitam apresentarem-se como uma "fatia da realidade", o espaço cênico é modificado e se ainda mantêm-se em espaços tradicionais ( palcos à italiana) "destroem" a "quarta parede". Nos refletores as gelatinas coloridas são substituídas pela "geral" branca que chapa a encenação . É o teatro que confessa-se teatro .
A terceira hipótese e a mais relevante , visto que as duas primeiras mais situam e encaminham o leitor à esta, evidencia como o desenvolvimento do capitalismo de organizações e da sociedade de consumo alteraram a estrutura do romance e como esse fenômeno foi percebido . Rosenfeld relata que, embora a literatura também tenha composto o Zeitgeist contemporâneo, por uma exigência mercadológica as evidências não foram tão alarmantes quanto, por exemplo, na pintura. "O romance tradicional ainda hoje vende mais". Este fenômeno contudo é bastante claro partindo do pressuposto que a manutenção da "ordem instituída" é de grande interesse das camadas detentoras do poder econômico e consequentemente dos meios de comunicação, tão fundamentais para a predominância do "gosto popular". Portanto, não teríamos razões para acreditar que uma literatura inquisidora dos valores da classe burguesa não somente no tema, mas principalmente na forma , venha a interessar aos mantenedores desta mesma classe (burguesa). Podemos com isso constatar que as barreiras por meio das quais são impedidas as reformulações dos gostos literários assemelham-se às barreiras enfrentadas pelo rompimento das estruturas sociais. Entretanto, mesmo não se tornando Best Sellers , a literatura vanguardista desenvolve-se contrária à consciência burguesa, apesar de estar diretamente ligada à sua história e a seu desenvolvimento. Tal como escreve Adorno "...essas dificuldades estão relacionadas essencialmente ao lugar da arte na sociedade e não desaparecem pelo simples fato de ninguém se ocupar delas".
Diferente da epopéia, quando tínhamos fortes laços de sangue , reinos que agrupavam centenas de pessoas que compartilhavam um mundo "seguro e ordenado", no romance, os homens vivem em cidades , necessariamente mais isolados. Os laços de sangue não significam tanto, e a multiplicidade de espaços e sensações revelam também uma concomitância de acontecimentos, que se retratam na forma da narrativa. O homem moderno percebe a simultaneidade da vida e com ela a impossibilidade da narrativa seqüencial conseguir expressar as "multi-experiências" concomitantes do cotidiano. No descompasso dos tempos o homem moderno vive , mas não compreende, a ponto de organizar e ajuizar seus atos e idéias. O narrador que antes tudo sabia, agora se vê também vítima do acaso, e esta imprevisibilidade retira sua "posição privilegiada". Esta é mais uma característica da narrativa moderna: a dissolução do narrador onisciente.
"Desaparece o intermediário, substituído pela presença do fluxo psíquico" . O homem é um armazenamento integral de tudo o que viveu ,passado e presente são um tempo só sem distinção de início ou fim. Tal como um acorde musical, o presente constitui-se em um bloco, contudo, em desarmonia. A tentativa da revelação objetiva ,faz com que a narrativa seja em tom de relato, feito pelo próprio eu que vivencia, e como sua experiência não tem origens definidas, apresenta-se quase sempre difusa e indeterminada. Muitas vezes nem mesmo o verbo se modifica ao tratar-se de passado, presente e futuro. A desorganização do subconsciente é representada na "desestrutura" também da narrativa. Nada mais é absoluto quando o mundo torna-se caótico. Este princípio é evidente nas manifestações artísticas. Se o homem moderno tem obrigações com a cronologia , a arte não "bate cartão". A música não segue mais os limites da harmonia (tonal) . Os pontos de vista são diversos e a objetividade , portanto, múltipla .
Rosenfeld, ao contrário de Wolfgang Kayser, considera lícito a supressão do narrador , posto que este colocaria "ordem" quando esta apresenta-se bastante questionável. Todavia salienta também, que o desejo de objetividade levou a um "recorte" tão minucioso da psique, que o todo não pode mais ser representado. "Trata-se, no fundo, de uma radicalização do romance do século passado". Tal como escreveu Freud , o inconsciente é o caos por excelência , portanto, no processo de verticalização, estreitou-se o panorama. As palavras não são vistas como capazes de expressar a experiência ou suprir a angústia pela falta dela ( da experiência).
O desenvolvimento do behavorismo caracterizou bem o homem que vive numa sociedade de classes. Foi a partir das "forças produtivas" que a "estética do objeto" prevaleceu frente a dissolução do indivíduo. Brecht, profundamente influenciado por esta Escola, escreveu Um Homem é um Homem , em que o sujeito apresenta-se despersonalizado e desprovido de individualidade. O personagem é somente um arquétipo que se dissolve no genérico. Todos são movidos por fatores externos. Não tem psicologismo.
Podemos, contudo, deter-nos aos exemplos do ensaio que são muito bem colocados. Ao citar o tribunal de Kafka, em que, o personagem alienado do sistema arbitrário de compreensão inacessível, remete-nos em grau de igualdade, à "impossibilidade de reencontrar a unidade perdida", e afirma o aniquilamento do homem moderno em duas estâncias, sendo elas: o mundo que "criou" e pelo qual "foi criado". Josefh K. resigna-se a arbitrariedade sem pensar na causas, pois a esta desvinculou-se por completo de suas conseqüências.
"O indivíduo dissolve-se na polifonia de vastos afrescos" O olhar antes verticalizado se expande, torna-se horizontal, amplo e "achatado". Caracteriza-se assim a dissolução do uno, tudo são fragmentos que se interagem simultaneamente, mas que nunca se encaixam.
Embora Rosenfeld advirta que suas hipóteses não se caracterizam como uma teoria , mas um convite a reflexões, o que percebemos é um brilhante ensaio, que analisa a arte da primeira metade do século XX, inserida no contexto histórico e portanto "vítima" também dos fenômenos sociais. Ao chegarmos no último tópico, temos a convicção de que o Zeitgeist é um fato, visto que a arte mesmo que almeje , não é autônoma do mundo em que vive, mas antes, reflete com os meios que lhes são inerentes , os efeitos dos movimentos e conflitos de cada período. Embora a manifestação artística, de um modo geral, não tenha a pretensão ou almeje envolver-se diretamente em busca de soluções sociais, ela sabe da importância de sua atuação junto aos agentes capazes de produzir tais mudanças .
É fato, que este "espírito unificador" a partir nesta última década do séc. XX expandiu-se , assim como a sociedade, abarcando mais tendências que estilos propriamente ditos, mesmo porque, as ambigüidades refletem uma época de multi-polarizações das camadas sociais encobertas por uma pseudo hegemonia denominada "globalização". Mais uma vez a arte denuncia. Enquanto o mundo finge tornar-se um só bloco, ela apresenta-se fragmentada
(quando preservadora de valores culturais) ou totalmente cooptada pela cultura de massas. O Zeitgeist contemporâneo reflete sobretudo a instabilidade de um sistema político-econômico que não tendo mais a ameaça externa (socialismo-capitalismo),vê-se obrigado a enfrentar as fraturas reais e problemáticas dentro do próprio modelo, que tal como o romance burguês, apresenta-se em franco processo de dissolução.

ROSENFELD, Anatol. Reflexões sobre o romance moderno. In: Texto/Contexto.São Paulo: Perspectiva,1969,pp.75 a 97.

Resenha: “O que ler em bom Português”

Por: Selma Cristina Freitas Pupim

A obra “Estrangeirismos” foi organizada por Carlos Alberto Faraco[1] a partir do Projeto de Lei 1676/99, de autoria do deputado federal Aldo Rebelo[2].  O livro é composto por 189 páginas e conta com a colaboração de nove lingüistas que procuram demonstrar com uma linguagem acessível, o quanto o citado PL[3] se distancia dos limites da lingüística   e torna-se apenas um discurso enganador.
 Como sabemos, a polêmica acerca do abuso do estrangeirismo na língua portuguesa parece estar muito longe de um final, aliás não são de hoje as discussões em torno do chamado “estrangeirismo”. Há mais de um século, o médico Castro Lopes já fazia grande alarde na imprensa ao defender a substituição de palavras e expressões francesas, utilizadas com exagero na época, por neologismos de base latina erudita. A atitude do médico mereceu, na época, críticas de Machado de Assis. “... felizmente, as invencionices lexicais de Castro Lopes só sobreviveram como motivo de piada”, escreve Faraco.
Na verdade, o projeto do deputado pretende coibir o abuso no uso destas expressões, principalmente quanto à linguagem utilizada pela imprensa e publicidade, segundo Francisco S. Borba[4].  Todavia, convém lembrar que a linguagem de propaganda criticada pelo deputado e adeptos ao projeto, vista principalmente nas grandes cidades, shoppings, não pretende excluir ninguém, mas abranger o maior número de pessoas. No entanto, multar um lojista que utilizar estrangeirismos em suas vitrines ou fachadas, seria mais ou menos como cobrar uma multa de pagodeiros a cada erro de gramática que cometem.
 De acordo com o organizador do livro, esse Projeto de Lei foi um equívoco, pois propunha “a promoção, proteção, defesa e o uso da língua portuguesa”, pautado em uma inofensiva política lingüística que objetivava punir o uso de estrangeirismos no léxico da língua portuguesa em uso no Brasil.
         Para o autor, a língua é algo vivo, que precisa respirar; ela muda “nem para o bem nem para o mal”, mas para atender às necessidades dos seus usuários. Sabe-se que, em contato com outras culturas, as línguas se enriquecem e se fortalecem, logo, não têm vida própria, não são independentes, e é assim que sobrevivem, mudando continuamente.
As transformações sofridas pela língua portuguesa, provam a sua força, pois as línguas que não inovaram acabaram sendo substituídas por outras. Com o tempo, a palavra “veste a roupagem do idioma”, ou seja, a própria língua absorve tais palavras e muitas delas desaparecem.
         Como sugere Faraco, o organizador deste livro, “é preciso deixar bem claro para o país e para o Congresso Nacional que a única coisa que se pode resolver por decreto é a ortografia. Dinamismo das culturas não se faz por decreto”, acentua.
Para o deputado Aldo Rebelo, a língua portuguesa no Brasil é um sistema homogêneo, compreendida por qualquer cidadão em qualquer lugar do território brasileiro.
Convém lembrar que, não há línguas estáticas ou mesmo imutáveis, na visão de J. L. Fiorin[5]; se assim fosse ainda estaríamos falando latim. Todas as línguas apresentam variações; acreditar que no Brasil todos falam e se compreendem mutuamente em qualquer lugar do país é, no mínimo, utopia ou ignorância pura dos aspectos lingüísticos das variações regionais.
Nesse sentido, J. L. Fiorin, um dos colaboradores da obra, faz uma análise do PL sob o ponto de vista lingüístico – e nesse ponto estabelece que uma política lingüística deve começar com a identificação de um problema, “que não é de natureza lingüística mas de ordem política, econômica ou cultural”. No caso do PL,o problema lingüístico é a dificuldade de comunicação que terão “os nossos homens simples do campo” diante do uso excessivo e desnecessário de expressões estrangeiras, fato que, é rapidamente aniquilado, pois “qualquer pessoa é capaz de aprender qualquer setor do vocabulário, se ele tiver algum sentido para ela”, ou seja, basta que o estrangeirismo faça (ou venha a fazer) parte do seu conhecimento de mundo como por exemplo, os termos de origem inglesa que compõem o vocabulário do mundo do futebol: córner, pênalti, off-side etc.
J. L. Fiorin afirma que um idioma se caracteriza por uma gramática e por um fundo léxico comum. Se em nenhum dos casos o estrangeirismo afetar a base estrutural da língua não haverá descaracterização do idioma, pois é a gramática que sistematiza as pronúncias dos empréstimos estrangeiros por meio de elementos fonológicos usados em conformidade com a morfologia e a sintaxe da língua portuguesa; segundo porque o chamado fundo léxico comum, no caso da língua portuguesa, é formado por palavras herdadas do latim, como por exemplo, as classes gramaticais, com exceção dos substantivos que, por denominarem objetos materiais, estão sempre se renovando, estando mais vulneráveis às influências estrangeiras – não há possibilidades da descaracterização do idioma português como defende Aldo Rebelo em seu PL.
Outro colaborador deste livro é Paulo Coimbra Guedes[6], que afirma: “O discurso do deputado Aldo Rebelo é o mais retrógrado, obscurantista e autoritário de todos os que, no Brasil, falam de língua.” (p. 137)
Para P. C. Guedes o inglês norte-americano não é o único idioma a abusar do povo brasileiro. É do nosso conhecimento que o latim e o francês causaram danos irreversíveis à cultura brasileira, extinguindo, por exemplo, mais de mil línguas indígenas que foram faladas no Brasil por meio de uma lei  imposta por Pombal.
Sobre isso, Marcos Bagno, em seu texto “Cassandra, Fênix e outros mitos”, afirma que a proibição da língua geral cortou os vínculos do povo brasileiro com seus ancestrais indígenas, esmagando a semente do que talvez fosse a constituição de uma “identidade nacional verdadeira”. Assim não seria necessário buscar uma identificação com algo que está fora de nós, como em uma Europa distante e estranha, mas sim  procurar nossas raízes em nosso próprio espaço físico e cultural, e essa imposição conservadora que extingue línguas e elitiza uma variação, determinando como erradas e incultas as outras variações do idioma, é o conservadorismo, do qual está pautado o deputado Aldo Rebelo, autor do  assunto em pauta .
No artigo “Estrangeirismos: desejos e ameaças”, de Pedro M. Garcez[7] e Ana Maria S. Zilles[8],  há uma preocupação inicial em conceituar o termo estrangeirismo, bem como relacioná-lo aos conflitos dentro da comunidade que faz o empréstimo, por ocorrerem choques entre  associação de estrangeirismos e valores culturais. No entanto, afirmam que os conflitos causados por questões lingüísticas envolvendo estrangeirismos, são discursos superficiais sobre a natureza da linguagem.
 Os estrangeirismos, na perspectiva dos autores deste artigo, na maioria das vezes, têm vida curta ou são incorporados naturalmente à língua . 
Este tipo de lei que vê no elemento estrangeiro uma ameaça à identidade nacional, traz subentendida a idéia de que se pretenda defender, também, uma só língua, a língua de poder, sob controle da classe dominante. Neste sentido, supõe-se que, queiram mantê-la pura também dos ataques e influências internas, das variedades não-prestigiosas da língua, faladas pelos que não têm poder, que não escrevem e não consomem.
Como afirma Fiorin, o deputado Aldo Rebelo aproxima-se muito, em seu discurso dos conservadoristas, como é o caso do gramático Napoleão Mendes Almeida, que acreditava que aqui no Brasil se falava uma variante imprecisa e incorreta da língua portuguesa, acrescida de mestiçagem de falares indígenas e africanos, que corromperam a língua vernácula.
Baseado nesses moldes, ultra-conservadoristas, que fundamentam o PL do deputado A Rebelo. Segundo Sírio Possenti[9], o PL cria possibilidades de preconceito lingüístico ao proibir o uso de termos estrangeiros como os provocados por Getúlio Vargas sobre as comunidades imigrantes do Sul do Brasil, durante a Guerra de 1940.
Em seu artigo Possenti reconhece que as línguas são meios de dominação, como destaca Rebelo na justificativa do PL, mas sugere também, em tom irônico, que este PL inibe a entrada de produtos que trazem consigo seus nomes e outros elementos lexicais, como, por exemplo, à informática, que são, segundo Possenti,os elementos que mais colaboram para a adoção de estrangeirismos. Depois retifica (p.165):

Não digo que se deva inibir a entrada de produtos, mas imagino que, sem   isso, eles serão inevitavelmente acompanhados de elementos da língua de origem dos produtos sem que nada possa fazer para atuar diretamente sobre o fenômeno (a não ser coletar multas).

         Como sabemos, os estrangeirismos não representam o fim de uma língua,  muito menos o seu empobrecimento .O processo é justamente o contrário, pois ao incorporar termos, vem enriquecer o seu léxico. “Os excessos como leitos dos rios depois das cheias, voltam ao leito anterior”.
O léxico do português foi formado de empréstimos, das línguas indígenas, do árabe, das línguas germânicas, do italiano - quem desconhece o significado da palavra “pizza”? E que palavra “brasileira, ou da língua portuguesa” poderia substituí-la?  Entre os intercâmbios lingüísticos, pode-se dizer que o português não só recebeu influência estrangeira como também influenciou, como afirma Fiorin (p. 125).
Do ponto de vista do PL Possenti (p. 164) afirma:

O que constitui uma língua é sua gramática, isto é, seus sons (sua distribuição), seus padrões silábicos, sua morfologia (seu sistema flexional por exemplo), sua sintaxe. Neste domínio, o português está absolutamente intocado.

Marcos Bagno[10] (p. 74), dá um exemplo de como o estrangeirismo não altera a estrutura da língua: “O Office-boy flertava com a baby-sitter no hall do shopping center.”
Esta oração obedece às regras de sintaxe e morfologia da língua.
portuguesa, segundo Bagno, e apesar dos termos serem em língua estrangeira. Fato que demonstra que mesmo diante de expressões estrangeiras a estrutura da língua permanece intacta.
         Outro aspecto que deve ser  observado, é que o inglês é considerado uma língua de comunicação universal, que chega pelas agências internacionais de notícias e entra através dos jornais. Muitas vezes por não encontrar um significado para a palavra nova, como “sfirra”,por exemplo.
O inglês é para nós questão de sobrevivência, ou melhor, o mundo todo é obrigado a usá-lo para se comunicar. Com a globalização, as pessoas vão percebendo a equivalência entre as línguas e isso não chega a ser uma invasão. Além disso, é do conhecimento geral que, a influência de uma cultura, ou de um povo sobre outro é inevitável, pois não se vive isolado. Com isso, o mundo da Internet, dos esportes, da publicidade ganha uma nova opção.
         O mais importante é que, o empréstimo de palavras da língua inglesa se torna não só comum como necessário, sem inglês, nos dias atuais, as possibilidades de se encontrar um bom emprego são mínimas. Sabe-se que em nosso país quem tem o domínio da língua inglesa tem prestígio.
         Por outro lado, o povo brasileiro sofre tantas humilhações e muito piores, por que se preocupar com o abuso do estrangeirismo? Quem sabe, muitas dessas palavras soarão tão brasileiras como o “futebol”. Imagine se ela não existisse, com certeza ouviríamos com freqüência aos domingos: “Hoje tem ludopé na televisão”.
         Portanto, sendo a língua um fator cultural, típico de cada povo, algo extremamente particular que carrega tudo que caracteriza uma sociedade, incluindo a situação econômica e social, não é novidade ninguém que nossa situação social econômica, política e cultural é das piores possíveis.
         O custo de tudo isso é uma sociedade totalmente deixada ao “léu” por seus governantes, apresentando altos níveis de desemprego, miséria e analfabetismo.
         Tendo em vista tais considerações, o projeto do deputado até que seria de grande importância, pois trata-se de uma tentativa de resgatar um pouco de uma das pouquíssimas manifestações que nos diferenciam do resto do mundo globalizado: a língua portuguesa. Por outro lado, estaria barrando as opções da língua. Para o deputado, a história nos ensina que uma das formas de dominação de um povo sobre outro se dá pela imposição da língua. Contudo, o projeto tem segundas intenções,talvez um fundo político.
         Diante dessa concepção, a credibilidade do projeto está completamente abalada e, portanto discutível.Visto dessa forma, não podemos acreditar num discurso ideológico, pois além de apelativo, não é embasado em comprovações científicas que demonstram sua credibilidade.
         Imaginemos agora se o projeto de Aldo Rebelo fosse aprovado e implantado nos dias de hoje; teríamos de trocar computador por ordenador, rap por canto metralhado. E como chamaríamos a pizza, a sfirra, e os nomes dos restaurantes italianos? Que outra palavra poderia utilizar para se referir à panqueca? Essa proposta é inadequada,  tão ridícula quanto o projeto do médico Castro Lopes.  
         Dessa forma, é importante retomarmos as idéias do lingüista Carlos Alberto Faraco, quando ressalta que as questões em torno da língua em nosso país e, portanto em nossa sociedade, são praticamente inexistentes, então se faz necessária a conscientização do povo para as questões que envolvem sua própria cultura.

FARACO, Carlos Alberto (org.). Estrangeirismos: guerras em torno da língua. 2ª ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2002.


[1] Carlos Alberto Faraco é Professor Titular de Língua Portuguesa da Universidade Federal DO Paraná; doutorou-se em Lingüística na Inglaterra, tendo feito estágio de pós-doutorado na University of Califórnia.
[2] Aldo Rebelo, deputado federal filiado ao Partido Comunista do Brasil (PC do B).
[3] PL, Projeto de Lei 1676/99 que proíbe o uso de palavras estrangeiras no Brasil.
[4] Francisco S. Borba, Lingüista especializado em dicionários e autor de diversas obras sobre a Língua Portuguesa.
[5] José Luiz Fiorin, professor do Departamento de Lingüística da Universidade de São Paulo.
[6] Paulo Coimbra Guedes, professor de Língua Portuguesa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutor em Lingüística Aplicada.
[7] Pedro M. Garcez, PhD em Educação, Cultura e Sociedade pela Universidade da Pensilvânia, Estados Unidos.
[8] Ana Maria S. Zilles, doutora em Lingüística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
[9] Sírio Possenti, professor de Lingüística no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. Autor de Por que (não) ensinar gramática na escola (1996).
[10] Marcos Bagno, doutor em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo.