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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Boas Práticas: Vamos Cair no Conto … Literário

Vamos cair no Conto!
  
Negócio de menino com menina
Ivan Angelo

 O menino, de uns dez, onze anos, pés no chão, vinha andando pela estrada de terra da fazenda com a gaiola na mão. Sol forte de uma hora da tarde. A menina, de uns nove, dez anos, ia de carro com o pai, novo dono da fazenda. Gente de São Paulo. Ela viu o passarinho na gaiola e pediu ao pai:
- Olha que lindo! Compra pra mim?
O homem parou o carro e chamou:
- Ô menino.
O menino voltou, chegou perto, carinha boa. Parou do lado da janela da menina. O homem:
-Esse passarinho é pra vender?
-Não senhor.
O pai olhou para a filha com uma cara de deixa pra lá. A filha pediu suave, como se o pai tudo pudesse:
-Fala pra ele vender.
O pai, mais pata atendê-la, apenas intermediário:
- Quanto você quer pelo passarinho?
-Não tou vendendo não senhor.
A menina ficou decepcionada e segredou:
-Ah, pai, compra.
Ele não considerava, ou não aprendera ainda que negócio só se faz quando existe um vendedor e um comprador. No caso, faltava o vendedor. Mas o pai era um homem de negócios, águia da Bolsa de valores, acostumado a encorajar os mais hesitantes ou a virar a cabeça dos mais recalcitrantes:
- Dou dez.
- Não senhor.
- Vinte. - Vendo não.
O homem meteu a mão no bolso, tirou o dinheiro, mostrou três notas, irritado.
- Trinta! - Não tou vendendo não senhor.
O homem resmungou "que menino chato" e falou para a filha:
- Ele não quer vender. Paciência.
A filha, baixinho, indiferente às impossibilidades da transação:
- Mas eu queria. Olha que bonitinho.
O homem olhou a menina, a gaiola, a roupa encardida do menino, com um rasgo na manga, o rosto vermelho de sol.
-Deixa comigo.
Levantou-se, deu a volta, foi até lá. A menina procurava intimidade com o passarinho, dedinho nas gavetas da gaiola. O homem, maneiro, estudando o adversário:
-Qual o nome desse passarinho?
-Ainda não botei nome nele não. Peguei ele agora. O homem, quase impaciente:
-Não perguntei se ele é batizado não, menino. É pintassilgo, é sabié, é o que?
- Aaaah. É bico-de-lacre.
A menina, pela primeira vez, falou com o menino: -Ele vai crescer?
O menino parou os olhos pretos nos olhos azuis.
-Cresce nada. Ele é assim mesmo pequenininho.
O homem: -E canta?
-Canta nada. Só faz chiar assim.
-Passarinho besta, hein?
-É. Não presta pra nada, é só bonito.
-Você pegou ele dentro da fazenda?
-É. Aí no mato.
-Essa fazenda é minha. Tudo que tem nela é meu.
O menino segurou com mais força a alça da gaiola, ajudou com a outra mão nas grades. O homem achou que estava na hora e falou já botando a mão na gaiola, dinheiro na outra mão:
-Dou quarenta, pronto. Toma aqui.
-Não senhor. Muito obrigado.
O homem, meio mandão:
-Vende isso logo, menino. Não ta vendo que é pra menina?
-Não, não tou vendendo não.
- Cinqüenta! Toma aqui! - e puxou a gaiola.
Com cinqüenta se comprava um saco de feijão, ou dois pares de sapatos, ou uma bicicleta velha.
O menino resistiu, segurando a gaiola, voz trêmula: -Quero não senhor. Tou vendendo não.
-Não vende por quê, hein? Por quê?
O menino acuado, tentando explicar:
-É que eu demorei a manhã todinha pra pegar ele e tou com fome e com sede, e queria ter ele mais um pouquinho. Mostrar pra mamãe.
O homem voltou para o carro, nervoso. Bateu a porta, culpando a filha pelo aborrecimento.
-Viu no que dá mexer com essa gente? É tudo ignorante, filha. Vam'bora.
O menino chegou pertinho da menina e falou baixinho, para só ela ouvir:
- Amanhã eu dou ele pra você.
Ela sorriu e compreendeu.

Impressões de leitura: O que o título do conto sugere?

No decorrer de uma leitura, é possível perceber que toda narrativa história narrada
possui elementos fundamentais, sem os quais não poderia existir e que responderiam às seguintes questões:
O que aconteceu?
Quem viveu os fatos?
Como?  Onde?  Quando?

Em outras palavras, toda narrativa se estrutura sobre cinco elementos:
enredo ou tema, personagens, narrador, espaço e tempo.
Há várias formas de se narrar uma história e o conto é uma delas.
O conto é, portanto, um acontecimento que, muitas vezes, existe apenas na imaginação do escritor. O
escritor dá voz ao narrador - O escritor não é personagem – isso apenas acontece quando lemos a sua 

biografia. Divertida ou triste, real ou imaginária – a história pode ser baseada em fatos reais.
O conto é uma narrativa breve, bem mais curta que o romance; geralmente, a história se concentra em um único episódio, envolvendo poucos personagens, um único ou poucos ambientes. Já no romance,
acontecem várias tramas paralelas. Ex: novela.
Assim, o conto é o retrato de um acontecimento marcante na vida dos personagens.

Título da obra: Pode me beijar
se quiser; Autor: Ivan Angelo Editora Ática, 1997

Título do Conto: Negócio de menino com menina
Ivan Angelo nasceu em Barbacena – MG em1936. Publicou o seu primeiro
livro Duas faces,no ano de 1961. Além de escritor é jornalista; o conto Negócio de menino com
menina foitambém publicado nas obras: O ladrão de sonhos e outras
histórias  e De conto em conto.