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Sugestão de Leitura






O Livro das Fábulas, Hermann Hesse
"A Fábula, já o disse alguém, é uma necessidade que o homem tem de expressar suas ideias por intermédio de imagens e símbolos, uma arma de que o escravo se utilizou para comover, esclarecer ou derrotar o senhor, um instrumento da liberdade". Mário da Silva Brito in Hermann Hesse, o Livro das Fábulas (maravilhoso!!!!)

"Pais Inteligentes Enriquecem Seus Filhos", de GUSTAVO CERBASI


Bons resultados nos investimentos resultam da dedicação e do zelo, qualidades nem sempre cultivadas pelos apressados jovens da geração Y, que têm urgência por resultados e tentam abraçar toda informação possível, sem tempo de digeri-la.
Não é exagero comparar investimentos ao mundo da arte. Um bom artista busca inspiração antes de começar sua obra, estuda continuamente, desenvolve técnicas próprias, pesquisa as técnicas de outros artistas, faz experiências sem compromisso e agrega valor a suas criações à medida que dedica mais tempo em busca da perfeição. Mesmo assim, sabe que a perfeição é inalcançável.  



CRÍTICA

Por Fernando Rodrigues / Brasília
Trajetória das Constituições ganha análise de historiador
Marco Villa narra a gênese do Estado brasileiro e aponta suas imperfeições




Historiador Marco Villa, que escreveu sobre Constituições
Historiador Marco Villa
O livro "A História das Constituições brasileiras", de Marco Antonio Villa, publicado pela Editora LeYa, vai além do que sugere o título. É um sobrevoo por décadas de descaso com a democracia no Brasil e flertes constantes do poder com o autoritarismo.
Professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Marco Villa avisa que a obra "não é mais um livro de direito constitucional". Embora baseado em sólida pesquisa histórica, o texto é uma crônica da vida política do país desde a Independência.
Com um capítulo para cada uma das sete Constituições do Brasil (1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988) e um para o STF (Supremo Tribunal Federal), o guardião da Carta, o livro é um roteiro da gênese do Estado brasileiro, suas imperfeições e regras que privaram o país de viver em democracia na maior parte de sua história.
Há aspectos anedóticos e bizarros. No Império, o Congresso só se reunia quatro meses por ano. Na Carta de 1934, a xenofobia explícita limitava a entrada de estrangeiros para garantir a "integração étnica" do imigrante.
O Brasil republicano teve vários nomes. Chamou-se "Estados Unidos do Brasil" de 1891 a 1967. Na ditadura militar, foi apenas "Brasil". E só em 1988 passa a ser "República Federativa do Brasil". A história das Constituições ajuda também a identificar como a representação no Congresso foi sendo ampliada e deturpada. Depois do fim do Estado Novo, em 1946 a Carta aumentou de dois para três o número de senadores de cada Estado -e criou o suplente de senador.
Em 1977, a ditadura determinou que cada senador passaria a ter dois suplentes -políticos sem voto que muitas vezes assumem no lugar do titular. Também naquele ano, aumentou-se para seis o número mínimo de deputados por Estado. Em 1988, os constituintes acharam pouco: elevaram esse piso para oito deputados para cada unidade da Federação. Aprofundaram o descaso com uma das regras clássicas da democracia -"um homem, um voto".
Logo após a Independência, o artigo 99 da primeira Constituição estabelecia que "a pessoa do imperador é inviolável e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma". Marco Villa anota: "Não é acidental que o autoritarismo esteja tão presente no Brasil. O país já nasceu com uma organização política antidemocrática. E o poder nunca se reconheceu como arbitrário".
Outro traço da cultura política brasileira é uma espécie de autoengano por parte dos que ocupam o poder. Depois do golpe de 1964, os militares eram obcecados por dar um ar de formalidade aos seus atos, "como se a existência de uma norma fosse uma espécie de salvo-conduto".
A mais democrática de todas as Constituições, a de 1988, é também a mais prolixa: 250 artigos e 70 disposições transitórias. Cheio de boas intenções, o texto fica desconectado do mundo real: a palavra "garantia" aparece 46 vezes; "direitos", 16 vezes; e "deveres", apenas 4.
No capítulo sobre o STF, Marco Villa cita casos em que a Corte Constitucional brasileira foi pusilânime e leniente com os ditadores de turno. Na Revolução de 30, "o Supremo estabeleceu o estranho princípio da legitimidade revolucionária". O "legalismo servil" levou os ministros a "lavarem as mãos diante de inúmeros atos e milhares de prisões políticas".
Em 1969, três ministros foram cassados. Só dois se solidarizaram: um renunciou e outro pediu aposentadoria. Os demais silenciaram.

A HISTÓRIA DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
AUTOR Marco Antonio Villa. EDITORA LeYa
CLASSIFICAÇÃO Ótimo



CRÍTICA ROMANCE

Escrito em 1976, "O Monte do Mau Conselho" trata a política por via lírica
Por: NOEMI JAFFE

Em 1946, em Jerusalém, havia a urgência de bronzear-se. Fazia-se o que fosse preciso, até sob o risco de prejudicar a saúde, para que a pele ficasse mais morena. Mas a razão para isso era praticamente oposta à atual, centrada na beleza. 

O próprio menino Amós Klauzner, quando mudou-se voluntariamente para um kibutz, aos 15 anos, adotou o nome de Oz, que significa "coragem, valentia", e seu sonho era ser atlético, bronzear-se e, quem sabe com isso, esquecer a personalidade intelectual e melancólica de seus pais e do arquétipo do imigrante europeu. 

Bronzear-se significava ser capaz de enfrentar os ingleses, de construir um Estado novo, de enfrentar o deserto e as intempéries políticas e naturais. 

O romance "O Monte do Mau Conselho", escrito em 1976 e que ganha agora excelente tradução de Paulo Geiger, não deixa de ser uma espécie de autoficção.

O menino Uri -que em tudo, inclusive na personagem da mãe bela e triste, lembra o autor- está presente nos três episódios da narrativa, independentes e relacionados ao mesmo tempo. 

Ambientadas na então Palestina, logo antes da Guerra da Independência, numa Jerusalém inteiramente dividida, pobre e árida, as três histórias enxergam o mundo pelos olhos de Uri, um menino de seus 11 anos, incompreendido pelo excesso de curiosidade, imaginação e envolvimento político. 

À sua volta aparecem o pai e a mãe, assim mesmo, sem nomes. A mãe, uma mulher bela e desejada por todos, sempre inconformada com as medíocres tarefas domésticas e a contemplar distâncias no horizonte. 
O pai, um veterinário fracassado, obrigado a trabalhos bem menores do que o alcance de seu idealismo. Como sempre nos romances de Oz, a visão histórica e política entra por uma via torta, puramente narrativa e lírica, como deve ser para que a literatura se sustente.
Não há panfletagem nos livros de Amós Oz e sua luta, na vida como nos livros, é sempre contra os fanáticos: "São pessoas que sempre têm certeza absoluta, sem a menor dúvida, de que sabem exatamente o que é bom e o que é ruim e o que é preciso fazer, e exigem com muito rigor que todos pensem e ajam como elas". 
Oz não abre mão dessa única certeza e evita até o fanatismo de seu próprio ideal: o pacifismo. 



O MONTE DO MAU CONSELHO, Amós Oz. Companhia das Letras. Trad. Paulo Geiger
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0911201114.htm


PAINEL DAS LETRAS
O novo Amado

O centenário de nascimento de Jorge Amado, no ano que vem, é a oportunidade de atrair leitores para o "Balzac brasileiro", como o descreve Charles Buchan, agente literário sediado em Londres que negocia novas traduções do autor baiano para o mercado europeu. "A Morte e a Morte de Quincas Berro D´Água" é o primeiro título dessa fornada: sai pela Penguin, com tradução de Gregory Rabassa, no começo de 2012. Editores da França, Itália, Suécia e até da China estão comprando também "Jubiabá", "Capitães da Areia", "Bahia de Todos os Santos" e "Tocaia Grande". "Novas edições de Amado podem aumentar o interesse por outros autores brasileiros", avalia Buchan.


 "O Cemitério de Praga", Umberto Eco, (Record).
Por CONTARDO CALLIGARIS
O protagonista do novo (e ótimo) romance de Umberto Eco, "O Cemitério de Praga" (Record), é um falsário do fim do século 19.
Você, emissário de sei lá qual governo ou grupo, quer fomentar o antissemitismo, provando que os judeus conceberam um plano diabólico de domínio do mundo? Devidamente contratado, o falsário criará "Os Protocolos dos Sábios de Sião", prova cabal de um complô judaico. O texto, uma vez "descoberto", alimentará o antissemitismo mundo afora, durante décadas.
Hoje, a tecnologia digital facilita o trabalho dos falsários, e, graças à internet, um boato se transforma rapidamente numa certeza coletiva.
Mas, de qualquer forma, nunca foi muito árduo inventar conspirações ocultas e espalhar desconfiança e delírios segundo os quais os misteriosos "eles" estariam tramando na sombra. O fato é que o público adora uma teoria conspiratória.
Ou melhor, sejamos sinceros: em regra, adoramos entender o mundo como fruto de conspirações que tentam nos enganar. Por que será?
Uma resposta está no livro (já clássico) de Elaine Showalter, "Histórias Histéricas" (Rocco, esgotado -tente www.estantevirtual.com.br).
Showalter lembra que, para negar a existência e o surgimento de desejos sexuais em seus corpos e almas, as histéricas começam por atribuir esses desejos aos outros ou, como se diz, por projetá-los nos outros. Logo, elas fogem dos ditos outros (que se tornaram zumbis portadores dos desejos delas) ou os acusam de seduções e estupros.
Moral da história, a histérica pode dizer: 1) eu não desejo nada, sou e me mantenho pura, pois o sexo não vem de mim, mas dos outros, que querem me sujar e 2) eu sei quem o outro "realmente" é, sei quais desejos vergonhosos ele esconde atrás de sua aparência bem-comportada. Em suma, 3) posso negar que tenho desejos, não preciso me responsabilizar nem me envergonhar por eles e, além disso, pretendo saber desvendar o lado obscuro de qualquer um.
Desvantagem: assim fazendo, eu me afasto irremediavelmente de meu próprio desejo.
E os homens, nessa história? Segundo Showalter, sobretudo hoje, a histeria dos homens aparece, justamente, na crença em teorias conspiratórias: as meninas acham que os outros querem seduzi-las e violentá-las, e os meninos acham que os outros querem enganá-los e manipulá-los.
(Antes de continuar, uma nota: pode ser que imaginar teorias conspiratórias e acreditar nelas seja uma forma de histeria masculina, mas isso não significa que as conspirações não existam. Ao contrário, como mostra o romance de Eco, sempre existe, no mínimo, a conspiração dos que constroem e espalham teorias conspiratórias.)
Mas voltemos à histeria dos homens segundo Showalter. Eis quatro vantagens para os que gostam de conspirações escusas.
1) Quem entende o mundo à força de "desvendar" conspirações só pode se perceber como uma exceção: ele acredita ser o único, ou quase, que enxerga as tramas nefastas dos outros -o único ou um dos poucos que "eles" não estão conseguindo enganar.
2) Com a ideia de que sempre há outros que tentam nos manipular e controlar, a gente se oferece uma volta à infância e à relação com os pais. Há um prazer nostálgico na suposição de que haja adultos os quais, num conluio entre si, decidem nosso destino, sem nos explicar nem de longe o que realmente acontece.
Há um prazer nostálgico na ideia (infantil e pré-adolescente) de estarmos nas mãos de outros todo- poderosos e de sermos os únicos que, heroicamente, resistem à sua sedução e desvendam suas mentiras.
3) Uma hipotética conspiração, por mais hostil que ela nos seja, permite-nos confiar numa ordem do mundo -boa ou ruim. Se há intenções escondidas, nada ou pouco acontece por acaso, o mundo obedece a um plano -da divina providência, do demônio ou dos conspiradores, tanto faz: de qualquer forma, a existência de um plano é consoladora.
4) Para as histéricas, atribuir o desejo sexual ao outro é um jeito de negar sua própria sexualidade.
Para os homens não é muito diferente: a invenção de uma conspiração maléfica lhes permite ignorar seus próprios desejos "políticos" sombrios, os que eles preferem esconder de si mesmos.
Afinal, o conspirador, ao qual atribuo a vontade de me enganar e manipular, é quase sempre uma projeção, ou seja, é minha própria criação, à imagem e semelhança de mim.
ccalligari@uol.com.br

Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2710201119.htm> Acesso em 27/10/2011.


LITERATURA
Confissões no gravador / Sexo, política e micagens de Drummond
Por PAULO WERNECK
Livro de entrevistas concedidas entre 1927 e 1987 compõe perfil divertido e surpreendente de Carlos Drummond de Andrade, que de figura circunspecta se mostra um personagem ferino e atuante na vida do país. Reedições de crônicas permitem estender nexos mais claros entre a prosa e a poesia do autor.
O CRÍTICO LITERÁRIO Antonio Candido recordou certa vez uma tipologia, criada talvez em mesa de bar, que dividia os escritores mineiros entre "contidos" e "derramados". Por esse critério, Guimarães Rosa seria um típico escritor "derramado", assim como Pedro Nava e Paulo Mendes Campos. Já Carlos Drummond de Andrade seria um "contido" convicto, ao lado de Otto Lara Resende e talvez do próprio Antonio Candido.
A brincadeira tem lá sua dose de verdade, mas não se ajusta com perfeição a uma personalidade como a de Drummond. As novas gerações, para as quais se fixou a figura algo macambúzia que, nos anos 1980, estampou tristes notas de 50 mil (cruzeiros? cruzados? cruzados novos?), há de se espantar com a franqueza com que falava de clichês da esquerda e da direita, modismos sexuais dos anos 80 ou, ferino, de uma vida literária "ridícula e triste", que "se fizesse em termos de corrida de cavalos".
Muito da faceta "derramada" do poeta pode ser conhecida em "Carlos Drummond de Andrade - Coleção Encontros" [Azougue, org. Larissa Ribeiro, 206 págs., R$ 29,90], que reúne 17 entrevistas concedidas ao longo de seis décadas, entre 1927 -um ano antes de publicar, na "Revista de Antropofagia" seu mais famoso poema, "No Meio do Caminho"- e 1987, ano de sua morte.
A coletânea, que chega no próximo mês às livrarias, é parte de uma movimentação cultural e mercadológica que se dá neste momento em torno do poeta e que poderá promover um novo ciclo de reedições, rediscussões e releituras.
No próximo dia 31, o Instituto Moreira Salles promove o "Dia D", celebração que pretende instaurar uma versão brasileira do Bloomsday, no qual, todo 16 de junho, ritualiza em cidades do mundo inteiro o dia em que, no romance "Ulysses", de James Joyce, Leopold Bloom vagueia por Dublin.
Estão previstas exibições de filmes, saraus, leituras em escolas, centros culturais, bares e na internet (veja a programação em folha.com/ilustrissima). Aproveitando um vácuo na migração de Drummond da Record para a Companhia das Letras, a Cosac Naify relança dois livros de prosa que há décadas não eram editados fora dos volumes de obra completa: "Confissões de Minas" (1944) e "Passeios na Ilha" (1952).
A mesma editora lançou há pouco "Poesia Traduzida", produção pouco conhecida e pela primeira vez reunida em livro, com organização de Augusto Massi e Julio Castañon Guimarães, e promete para 2012 uma edição crítica dos dez primeiros livros de poesia, sob os cuidados de Castañon Guimarães.
E, por fim, a obra completa começa a ser lançada pela Companhia das Letras no ano que vem, quando Drummond como autor homenageado da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).

O livro da Azougue mostra uma imagem diferente da de um homem "triste, orgulhoso, de ferro" que cantou num poema, e vem mostrar que sua ironia e seu sarcasmo corroem qualquer tentativa de solenidade.
A leitura traz a certeza de que Drummond não era exatamente "esquivo" ou "avesso a entrevistas" (elas são numerosas) como se costuma dizer: só gostava de evitar os chatos que o atormentaram vida afora e que ele não deixa de mencionar aqui e ali. E sobretudo gostava de uma boa conversa.
Há no livro balanços e recordações dos tempos do modernismo, além de saborosas observações sobre a vida literária ("Ninguém mais hoje pode avaliar o que eram, em burrice e monotonia, as letras brasileiras de 1920. Não havia nem mesmo, como agora, uma burrice variada, de um colorido intenso e perturbador. Era tudo cinzento e chato", diz ele em 1942).
Seu maior valor está em proporcionar contato direto com a personalidade galhofeira do poeta, as anedotas e as "boutades" presentes em cada página (por exemplo, que ele e o escritor Fernando Sabino gostavam de passar trotes telefônicos).
Essas e outras micagens, conhecidas pelos iniciados mas ainda mal notadas pelo público mais amplo, fazem da coletânea um livro que se lê com gosto.

MARIA JULIETA Tem sabor especial a entrevista que Drummond dá à filha Maria Julieta para o jornal "O Globo", em fevereiro de 1984. Naquele período, ele se mostra mais loquaz do que nunca com os jornalistas, depois de quase um voto de silêncio nos anos 70.
Em parte porque, "tendo passado agora para uma editora que tem uma organização empresarial muito eficiente [Record], não podia deixar de atender à necessidade de divulgação do livro", explica a Gilberto Mansur numa entrevista, aliás, concedida à revista "Status" horas depois de tomar conhecimento do suicídio do amigo da vida inteira Pedro Nava (1903-84).
Maria Julieta se vale do posto privilegiado de observadora afetiva e extrai declarações tão prosaicas quanto surpreendentes: "Os objetos sem serventia devem ser destruídos ferozmente. Se uma caneta funciona mal, arrebento-a, logo. Destruo também bonecos, vasos, camisas. Eu precisava disso para não assassinar ninguém e dar vazão aos meus impulsos agressivos. Acho legítimo."
Em outro ponto, Drummond explica sua mania de jogar papéis no lixo fazendo "'embrulhos corretos, com todas as especificações necessárias a um bom pacote', a fim de cumprir as indicações do síndico do edifício". "Estou convencido de que os papéis copulam de noite e de manhã nascem filhotes, resmas de papel datilografado, manuscrito, em branco. Se eu não rasgar, minha mesa vira um caos e já não consigo encontrar mais nada."

SEXO As entrevistas dos anos 80 são marcadas pela curiosidade dos jornalistas em torno de "O Amor Natural", coletânea de poemas eróticos que Drummond guardava na gaveta e que só seriam publicados postumamente, em 1992.
Em vários depoimentos, ele confessa receio em publicar em meio à "fase de pornografia" que o país vivia: "Eu vejo, hoje em dia, as mulheres dizerem, com a maior liberdade: 'Puxa, que tesão eu tenho por ele'; ou: 'Eu tenho um tesão formidável'. [...] Ocorre até que a pessoa fale assim: 'Ah, eu chupava o pau dele'; assim, com a maior calma: 'Se ele deixasse, eu chupava o pau'."
Em seguida, conta que foi procurado por "uma senhora" que "dizia que era jornalista, mas que estava desempregada" e que, ao pedir trabalho a Jaguar na redação do "Pasquim", foi incumbida de conseguir uma entrevista com Drummond. Telefonou para o poeta e disse, sem meias palavras: "Se for preciso, eu chupo o seu pau para você me dar uma entrevista".
"Eu disse: 'Olha, não vale a pena, eu acho isso uma bobagem, uma coisa sem maior importância, não dou mesmo entrevista'." Então pediu explicações a Ziraldo, do "Pasquim", que respondeu: "Ah, é fulana de tal, ela é muito desbocada e, naturalmente, o Jaguar disse isso mesmo para ela, sabendo que você não dava entrevista".
Em 1987, diz a Geneton Moraes Neto: "Quando eu era rapaz, tesão era uma palavra que a gente dizia na roda de chope, na conversa, mas não se considerava uma palavra de bom português. Há um fanzine, uma dessas revistas alternativas de São Paulo, que se chama 'Esperma de Baleia'".
Foi por "coisas desse gênero", explica, que guardou na gaveta os poemas eróticos de "O Amor Natural": "A noção de arte, beleza e estética fica prejudicada por esse conceito vulgar de um uso imoderado da linguagem".
Tamanha soltura não significa que, em plena abertura política e comportamental, o poeta jogasse para uma plateia ávida por liberdade sexual -na cama, na mesa de bar, nas páginas dos jornais. Ele apenas não quer se confundir com aquele "Zeitgest" ("não sou um indivíduo devasso"), ainda que sob risco de soar antiquado.
"No meu livro erótico não há o amor homossexual ou o amor transexual, bissexual", fez questão de esclarecer na entrevista à "Status". "É uma experiência que eu não tive e que hoje, parece, está muito em moda, não é? O receio da gente, na realidade, é passar como heterossexual e ser considerado como um indivíduo careta, não é?"
Ele volta ao assunto em entrevista à revista "IstoÉ", em 1984. Primeiro, esclarece que a seu ver "tudo o que parece antinatural é natural", e que se "um ser humano [...] revelou um desvio, esse desvio é natural". Mas depois diz com uma franqueza ácida:
"Acho que a imagem do homossexualismo tem todo um folclore que eu acho meio desagradável", disse. "Transexualismo, bissexualismo, cultivar a experiência como se fosse uma nova fonte de conhecimento vital -acho tudo isso muito desagradável. [...] Eu me lembro hoje de um slogan da minha mocidade, de água mineral, que acho muito bom: 'Basta de experiências, beba Caxambu.'"

ESQUERDA O receio não era só de ser percebido como "heterossexual careta". Ao criticar a esquerda, Drummond também se recusava a ser associado à direita, esquematismo que ainda hoje viceja no país.
Em 1963, época de grande acirramento ideológico no Brasil, questionado por Pedro Bloch sobre sua posição política, ele preferiu o ambíguo conforto da ironia: "A posição do escritor pode ser de pé, sentada ou deitada, conforme lhe resulte mais cômodo". Vinte anos depois, no ocaso da ditadura militar, não terá receio em contrariar unanimidades culturais.
Exemplo disso é o que declarou sobre sua posição no golpe de 1964: "Não colaborei, mas apoiei a revolução. A minha primeira impressão foi de alívio, de desafogo, porque reinava, realmente, no Rio -e dou testemunho disso- um ambiente de desordem, de bagunça, greves gerais, insultos escritos nas paredes contra tudo. Havia uma indisciplina que afetava a segurança, a vida das pessoas. E, como o presidente João Goulart me parecia incapacitado para exercer uma ação política correta, eu apoiei a revolução, não nego."
Em seguida, ressalta: "Logo depois me desencantei. Quando vi o marechal Costa e Silva dizendo aquelas coisas que dizia... Aí, eu fui servir de testemunha de defesa do jornalista Carlos Heitor Cony, meu companheiro do 'Correio da Manhã', num processo que o ministro Costa e Silva moveu contra ele. E aí eu comecei a sentir que realmente a coisa não dava, não era para o meu paladar".
Outra unanimidade do momento, a campanha da Diretas Já, é vista com pé atrás: "Eu não apoiei com entusiasmo as Diretas: em primeiro lugar, porque não sou militante político; em segundo lugar, porque eu acho que as Diretas constituiriam uma espécie de erro generoso, erro puro".
Questionado se seria de esquerda, posição quase obrigatória, Drummond responde: "Eu não divido as pessoas em pessoas da direita ou da esquerda. Nisso, eu acho, parece que há um preconceito: a esquerda tem sempre razão. Mas a esquerda, até agora, no Brasil, tem sido a parte mais errada da opinião pública, a que mais caiu em erros. Caiu em 1935, caiu em 1964, caiu quando queria que Getúlio fizesse a Constituinte, caiu em todas as partes e ainda está caindo até hoje".
Para ele, a esquerda andava "fundamentalmente errada. Agora, eu acho que a pessoa pode não ser partidária da direita, como eu não sou, eu abomino a direita, e não ser partidária da esquerda e ter um pensamento consequente, que é o pensamento socialista, que não é propriedade da esquerda".

REAVALIAÇÃO Se as entrevistas trazem à tona uma personalidade derramada, duas reedições recuperam material sólido para ajudar a reavaliar a contenção com que constrói sua obra.
Os textos de "Confissões de Minas" [336 págs., R$ 69] e "Passeios na Ilha" [346 págs., R$ 69], até agora disponíveis apenas em volumes de obra completa que os confinaram à confidencialidade dos especialistas, nasceram de sua colaboração com jornais e revistas nos anos 1930, 40 e 50, em especial o "Correio da Manhã". Os dois volumes chegam às livrarias no final deste mês.
Não se trata daquilo que, na entrevista a Maria Julieta, o poeta chama "gênero menor e engraçado, que se enquadra exclusivamente no segundo caderno dos jornais" e que ele praticava três vezes por semana em sua coluna no "Jornal do Brasil" a partir de 1969.
O trabalho no "JB" fixou no grande público a imagem de um cronista à maneira de Fernando Sabino, Rubem Braga ou Paulo Mendes Campos, com quem dividiu volumes da coleção Para Gostar de Ler, da editora Ática.
Esqueça as pequenas narrativas urbanas daquela fase, como "Serás Ministro". Em "Confissões de Minas" e "Passeios na Ilha", a maioria dos textos confina com o ensaio literário, à maneira do que faz Manuel Bandeira em "Crônicas da Província do Brasil" (1937), espécie de ensaísmo confessional que abre as portas da constituição de sua obra poética.

POESIA E PROSA A conversa mais interessante aqui é a que se estabelece entre poesia e prosa. Como assinala o editor Milton Ohata no posfácio a "Confissões de Minas", os dois livros "são o correlato em prosa das inquietações que se configuram em 'Sentimento do Mundo' (1940) e se apaziguam em 'Lição de Coisas' (1962)". Da mesma forma, em "Passeios na Ilha" se adivinha a gestação de "Claro Enigma", lançado um ano antes.
Em 1941, o poeta contabiliza gaiatamente, para "A Gazeta", o conteúdo de sua "bagagem impressa": "Em 15 anos, três pequenos volumes, com um total de 104 poesias, sendo algumas de duas linhas, dão por ano 6,14 poesias".
Em entrevista à "Vamos Lêr", um ano depois, recusa a ideia de que seus livros fossem concebidos como projetos: "Nunca fiz um livro, como os romancistas o fazem, com uma máquina de escrever, um cachimbo e um caderno de notas. Quando possuo trinta, quarenta poesias, passo-as a limpo e levo a uma tipografia. Questão, apenas, de número, como vê".
A exaustiva arqueologia que escarafuncha a origem de cada texto nos volumes da Cosac Naify vem negar esse aparente espontaneísmo. Estão enfatizadas as conexões e as estruturas de um projeto intelectual que se constrói na tensão entre o "rigoroso intelectualismo" de Paul Valéry [1871-1945] e a "contingência e o acidente" que marcam os ensaios de Michel de Montaigne [1533-88], como assinala Sérgio Alcides no posfácio a "Passeios na Ilha".
As edições trazem fortunas críticas e bibliografia. Há também o utilíssimo índice remissivo, lamentável ausência na coletânea de entrevistas da Azougue.
Vê-se ali um Drummond "a passeio", como observa Alcides, que visita Ouro Preto, Sabará e Congonhas do Campo e a partir dessas viagens produz alguns de seus mais belos textos em prosa, como "Contemplação de Ouro Preto" e "Colóquio das Estátuas".
Neste texto, ele põe para conversar os profetas que Aleijadinho fez em pedra-sabão, "mineiros de há 150 anos e de agora, taciturnos, crepusculares, messiânicos e melancólicos" -como Drummond. Mas aos escritores não convém o figurino das estátuas. Prova disso é a avaliação tão bem humorada quanto precisa que faz de Guimarães Rosa, "um louco que pensa que é Guimarães Rosa".
Drummond, aqui, não poderia ser mais derramado.

"Os objetos sem serventia devem ser destruídos ferozmente. Se uma caneta funciona mal, arrebento-a logo. Destruo também bonecos, camisas", declarou o poeta
A campanha da Diretas Já é vista com pé atrás: "Não apoiei com entusiasmo. Não sou militante e acho que as Diretas constituiriam uma espécie de erro generoso, erro puro"

"Nunca fiz um livro como os romancistas, com máquina de escrever, cachimbo e caderno de notas. Quando possuo 30, 40 poesias, passo-as a limpo e levo a uma tipografia"
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/il2310201105.htm. Acesso em: 23/10/2011.


Qual é a tua obra?, de Mario Sérgio Cortella. O autor aborda temas como gestão, liderança e ética. No capítulo sobre Ética, Cortella ensina que a ética é um conjunto de princípios e valores que usamos para responder as três grandes questões da vida humana: Quero? Devo? Posso? Há coisas que queremos, mas não devemos. Há coisas que devemos, mas não podemos. Há coisas que podemos, mas não queremos.
Conclui citando uma frase do religioso beneditino francês, François Rabelais:  “[...] conheço muitos que não fizeram quando deviam, porque não quiseram quando podiam. Se a gente pode e a gente quer, a gente deve. “


Uma pausa necessária


Por CARLOS HEITOR CONY

Não costumo escrever sobre os livros que recebo. Faltam-me o critério crítico e o mínimo de conhecimento técnico para abordar um assunto que conheço mais por instinto do que por gosto. Mesmo assim, sinto de minha obrigação falar sobre dois livros recentemente lançados que, além de sua importância intrínseca, valem como instrumentos de formação humana e cultural.
"História da Literatura Brasileira", do poeta Carlos Nejar, é uma pequena enciclopédia que trata da carta de Pero Vaz de Caminha à contemporaneidade. Extensa no tempo, é intensa na penetração dos autores que formaram a nossa cultura, não apenas a cultura literária em si, mas o patrimônio espiritual que nos liga como nação, cujos valores humanísticos Nejar focaliza com a autoridade que conquistou em sua já longa caminhada literária.
O outro livro é também de um poeta e trata de poesia. Tem um valor didático e necessário, pois abre um território até hoje pouco explorado pelos nossos autores. "Poetas da América de Canto Castelhano", de Thiago de Mello, é uma antologia de excelente bom gosto dos maiores poetas de nossa língua irmã, de Jorge Luis Borges a José Martí, de Gabriela Mistral a Pablo Neruda, um elenco monumental que, em parte, é desconhecido pelos leitores brasileiros.
Quando estive em Cuba, como jurado do Prêmio Literário Casa de Las Américas, fiquei impressionado pelo desconhecimento recíproco dos autores latino-americanos. Somente um colombiano, o poeta León de Greiff, que por sinal está presente na antologia do Thiago, conhecia alguma coisa de Drummond.
Nejar e Thiago são dois operários que construíram uma obra que faz parte de nossa perspectiva literária e cultural.


O DIA EM QUE NIETZSCHE CHOROU

Irvin D. Yalom

Apesar de não haver registo do encontro entre Lou e Breuer, nem sequer da preocupação da aristocrata russa pelo seu amigo, Nietzsche esteve em Viena naquele período. A Primavera de 1882 e o Inverno de 1883, foi um período bastante conturbado na vida de Nietzsche, como se pode inferir da sua correspondência. Lou, Paul e a sua irmã Elizabeth são destinatários de um estado de espírito de depressão e alienação. Mas é também durante este período que Nietzsche dá um novo rumo à sua vida intelectual, culminando com o fim do primeiro capítulo de “Assim Falava Zaratustra”.
 


Zap

Moacyr Scliar

Não faz muito que temos esta nova TV com controle remoto, mas devo dizer que se trata agora de um instrumento sem o qual eu não saberia viver. Passo os dias sentado na velha poltrona, mudando de um canal para outro — uma tarefa que antes exigia certa movimentação, mas que agora ficou muito fácil. Estou num canal, não gosto — zap, mudo para outro. Não gosto de novo — zap, mudo de novo. Eu gostaria de ganhar em dólar num mês o número de vezes que você troca de canal em uma hora, diz minha mãe. Trata-se de uma pretensão fantasiosa, mas pelo menos indica disposição para o humor, admirável nessa mulher.
Sofre, minha mãe. Sempre sofreu: infância carente, pai cruel etc. Mas o seu sofrimento aumentou muito quando meu pai a deixou. Já faz tempo; foi logo depois que nasci, e estou agora com treze anos. Uma idade em que se vê muita televisão, e em que se muda de canal constantemente, ainda que minha mãe ache isso um absurdo. Da tela, uma moça sorridente pergunta se o caro telespectador já conhece certo novo sabão em pó. Não conheço nem quero conhecer, de modo que — zap — mudo de canal. "Não me abandone, Mariana, não me abandone!" Abandono, sim. Não tenho o menor remorso, em se tratando de novelas: zap, e agora é um desenho, que eu já vi duzentas vezes, e — zap — um homem falando. Um homem, abraçado à guitarra elétrica, fala a uma entrevistadora. É um roqueiro. Aliás, é o que está dizendo, que é um roqueiro, que sempre foi e sempre será um roqueiro. Tal veemência se justifica, porque ele não parece um roqueiro. É meio velho, tem cabelos grisalhos, rugas, falta-lhe um dente. É o meu pai.
É sobre mim que fala. Você tem um filho, não tem?, pergunta a apresentadora, e ele, meio constrangido — situação pouco admissível para um roqueiro de verdade —, diz que sim, que tem um filho, só que não o vê há muito tempo. Hesita um pouco e acrescenta: você sabe, eu tinha de fazer uma opção, era a família ou o rock. A entrevistadora, porém, insiste (é chata, ela): mas o seu filho gosta de rock? Que você saiba, seu filho gosta de rock?
Ele se mexe na cadeira; o microfone, preso à desbotada camisa, roça-lhe o peito, produzindo um desagradável e bem audível rascar. Sua angústia é compreensível; aí está, num programa local e de baixíssima audiência — e ainda tem de passar pelo vexame de uma pergunta que o embaraça e à qual não sabe responder. E então ele me olha. Vocês dirão que não, que é para a câmera que ele olha; aparentemente é isso, aparentemente ele está olhando para a câmera, como lhe disseram para fazer; mas na realidade é a mim que ele olha, sabe que em algum lugar, diante de uma tevê, estou a fitar seu rosto atormentado, as lágrimas me correndo pelo rosto; e no meu olhar ele procura a resposta à pergunta da apresentadora: você gosta de rock? Você gosta de mim? Você me perdoa? — mas aí comete um erro, um engano mortal: insensivelmente, automaticamente, seus dedos começam a dedilhar as cordas da guitarra, é o vício do velho roqueiro, do qual ele não pode se livrar nunca, nunca. Seu rosto se ilumina — refletores que se acendem? — e ele vai dizer que sim, que seu filho ama o rock tanto quanto ele, mas nesse momento zap — aciono o controle remoto e ele some. Em seu lugar, uma bela e sorridente jovem que está — à exceção do pequeno relógio que usa no pulso — nua, completamente nua.

O texto acima, publicado em "Contos Reunidos", Companhia das Letras — São Paulo, 1995, consta também do livro "Os cem melhores contos brasileiros do século", seleção de Italo Moriconi, Editora Objetiva — Rio de Janeiro, 2000, pág. 555.



A viagem do elefante, José Saramago
Para provocar a igreja, o autor conta a história de um elefante, que algumas pessoas acreditam ser a representação de Deus. O padre local resolve, então, exorcizar o elefante. A igreja, que, para efeitos propagandísticos, cultiva a modéstia e a humildade, nos comportamentos age com um orgulho sem limite. 



Como um romance, Daniel Pennac, 1993:
“[...] o que afasta uma criança, um adolescente e um adulto da  leitura de um livro não é apenas a televisão, o mundo fascinante das imagens e as invenções tecnológicas - TICs”.
O  pesquisador do mundo da leitura mostra que o elo se perde quando o livro deixa de ser vivo. Quando a narração ao pé da cama, o simples contar de histórias passa a ser uma ficha de leitura obrigatória para o cumprimento do programa escolar.



O DUPLO, Paulo Bezerra
Um dos livros mais importantes de Dostoiévski (1821-81), que prefigura trabalhos posteriores, como "O Idiota" (1868-69) e "Crime e Castigo" (1866). O livro retrata o sofrimento de um homem que passa a enxergar o mundo através de seu duplo. A edição traz ilustrações do expressionista Alfred Kubin (1877-1959).



De tarde, de Cesário Verde   

“Mais morta do que viva, a minha companheira
Nem força teve em si para soltar um grito;
E eu, n'esse tempo, um destro e bravo rapazito,
Como um homemzarrão servi-lhe de barreira!

Em meio de arvoredo, azenhas e ruinas,
Pulavam para a fonte as bezerrinhas brancas;
E, têtas a abanar, as mães de largas ancas,
Desciam mais atraz, malhadas e turinas.

Do seio do logar – casitas com postigos –
Vem-nos o leite. Mas baptisam-n'o primeiro.
Leva-o, de madrugada, em bilhas, o leiteiro,
Cujo pregão vos tira ao vosso somno, amigos!

Nós davamos, os dois, um giro pelo valle:
Varzeas, povoações, pégos, silencios vastos!
E os fartos animaes, ao recolher dos pastos,
Roçavam pelo teu «costume de percale».

Já não receias tu essa vaquita preta,
Que eu segurei, prendi por um chavelhoe? Juro
Que estavas a tremer, cosida com o muro,
Hombros em pé, medrosa, e fina, de luneta!”

Leia outras poesias de Cesário Verde  


O Lobisomem, de Raymundo Magalhães

“A primeira bodega que se abria, na feira do Jacaré, era a de seu Bento. Logo muito cedo, mal o dia começava a raiar, ele saía de casa, embrulhado num cobertor de lã, por causa do frio cortante, escancarava as duas portas da frente, ia à ancoreta de cachaça pousada em cima do balcão, tomava um tronco, para esquentar o corpo e ficava, por algum tempo, passeando dentro do quarto, à espera dos primeiros fregueses. Estes não demoravam a chegar. Eram, de ordinário, os mesmos: seu Valdevino, marchante, dono do açougue vizinho, conversador inesgotável e cacete, depois da terceira golada; o capitão Mosqueiro, espírito alegre e vivo, grande contador de anedotas picantes, que, apesar de muito repetidas, arrancavam formidáveis gargalhadas; seu Doca, o mais moço de todos, prosador e poeta, que assombrava a terra com os seus violentos artigos políticos nos jornais da capital e já era uma celebridade consagrada pelo Almanaque de Lembranças... Tivera estudos. Toda a gente o considerava um moço preparado. Fazia graça de um grosseiro materialismo e, de vez em quando, atracava-se em polêmica com o vigário da freguesia, um santo homem, que tomava a peito converter o herege... Só mais tarde chegavam o Baé, o Januário, o Zé Preto, o velho Macedo, o Caboquim, e outros negociantes das imediações, que formavam uma grande roda, aplicada, toda a manhã, até à hora do almoço, a beber copinhos de cachaça e a falar da vida alheia...”
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