Total de visualizações de página

Poemas

Rubem Alves
Por Marina Silva


Disseste tudo ao dizer:
Quando a ausência de mim
Fizer presença em meu ser,
Visitarei a mim mesmo,
Para não me afastar de você.

Quando o peso do dever
Em mim soterrar a alma
Entre os escombros da vida,
Quero flutuar qual pluma
Na leve brisa da calma.

Quando o dizer tiver o poder
De revelar o que não quero,
Paro a pluma, guardo a voz,
Me rebelo no silêncio
Para me manter sincero.

Antes da noção do certo
Se revelar um engano,
Saio do cotidiano:
Adentro em outras rotinas,
Noutros mares vou pescar.

Não quero porto seguro,
Só âncora, vela e mar.
Âncora para ser meu porto,
Vela para me levar,
Mar para, no litoral,
As minhas ondas quebrar.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0411201106.htm>





Mude
Clarice Lispector



Mude, mas comece devagar,
porque a direção é mais importante
que a velocidade.


Sente-se em outra cadeira,
no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.


Quando sair,
procure andar pelo outro lado da rua.
Depois, mude de caminho,
ande por outras ruas,
calmamente, observando com atenção
os lugares por onde
você passa.


Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas.
Dê os teus sapatos velhos.
Procure andar descalço alguns dias.


Tire uma tarde inteira
para passear livremente na praia,
ou no parque,
e ouvir o canto dos passarinhos.


Veja o mundo de outras perspectivas.
Abra e feche as gavetas
e portas com a mão esquerda.


Durma no outro lado da cama...
depois, procure dormir em outras camas.


Assista a outros programas de tv,
compre outros jornais...
leia outros livros,
Viva outros romances.


Não faça do hábito um estilo de vida.
Ame a novidade.
Durma mais tarde.
Durma mais cedo.


Aprenda uma palavra nova por dia
numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos,
escolha comidas diferentes,
novos temperos, novas cores,
novas delícias.


Tente o novo todo dia.
o novo lado,
o novo método,
o novo sabor,
o novo jeito,
o novo prazer,
o novo amor.
a nova vida.


Tente.
Busque novos amigos.
Tente novos amores.
Faça novas relações.


Almoce em outros locais,
vá a outros restaurantes,
tome outro tipo de bebida
compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo,
jante mais tarde ou vice-versa.


Escolha outro mercado...
outra marca de sabonete,
outro creme dental...
tome banho em novos horários.


Use canetas de outras cores.
Vá passear em outros lugares.
Ame muito,
cada vez mais,
de modos diferentes.


Troque de bolsa,
de carteira, de malas,
troque de carro, compre novos óculos,
escreva outras poesias.


Jogue os velhos relógios,
quebre delicadamente
esses horrorosos despertadores.


Abra conta em outro banco.
Vá a outros cinemas,
outros cabeleireiros,
outros teatros,
visite novos museus.


Mude.
Lembre-se de que a Vida é uma só.
E pense seriamente em arrumar um outro emprego, uma nova ocupação,
um trabalho mais light,
mais prazeroso, mais digno,
mais humano.


Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as.
Seja criativo.
E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa,
longa, se possível sem destino.

Experimente coisas novas.
Troque novamente.
Mude, de novo.
Experimente outra vez.

Você certamente conhecerá coisas melhores
e coisas piores do que as já conhecidas,
mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança,
o movimento, o dinamismo,
a energia.
Só o que está morto não muda !

Repito por pura alegria de viver:
a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena!!!!

Ausência 

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
                                                         E lastimava, ignorante, a falta. 
Hoje não a lastimo. 
Não há falta na ausência. 
A ausência é um estar em mim. 
E sinto-a, branca, tão pegada, 
aconchegada nos meus     
[braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, 
porque a ausência, essa ausência assimilada, 
ninguém a rouba mais de mim.
Carlos Drummond de Andrade, in 'O Corpo'





BORBOLETAS
Mário Quintana

Quando depositamos muita confiança ou expectativas em uma pessoa, o risco de
se decepcionar é grande.

As pessoas não estão neste mundo para satisfazer as nossas expectativas, assim como não estamos aqui, para satisfazer as dela.

Temos que nos bastar... nos bastar sempre e quando procuramos estar com alguém, temos que nos conscientizar de que estamos juntos porque gostamos, porque queremos e nos sentimos bem, nunca por precisar de alguém.

As pessoas não se precisam, elas se completam... não por serem metades, mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida.

Com o tempo, você vai percebendo que para ser feliz com a outra pessoa, você precisa em primeiro lugar, não precisar dela. Percebe também que aquela pessoa que você ama (ou acha que ama) e que não quer nada com você, definitivamente, não é o homem ou a mulher de sua vida.

Você aprende a gostar de você, a cuidar de você, e principalmente a gostar de quem gosta de você. 

O segredo é não cuidar das borboletas e sim cuidar do jardim para que elas venham até você. 

No final das contas, você vai achar
não quem você estava procurando, mas quem estava procurando por você!


Fé 

As orações dos homens 
Subam eternamente 
aos teus ouvidos; 
Eternamente aos teus ouvidos soem
 Os cânticos da terra. 
No turvo mar da vida, 
Onde aos parcéis do crime 
a alma naufraga, 
A derradeira bússola nos seja, 
Senhor, tua palavra.
A melhor segurança 
Da nossa íntima paz, 
Senhor, é esta; 
Esta a luz que há de abrir 
 à estância eterna ... 
O fulgido caminho. 
Ah ! feliz o que pode, 
No extremo adeus 
às coisas deste mundo,
Quando a alma, despida de vaidade, 
Vê quanto vale a terra;
Quando das glórias frias
 Que o tempo dá 
e o mesmo tempo some, 
Despida já, — os olhos moribundos
 Volta às eternas glórias;
Feliz o que nos lábios, 
No coração, na mente 
põe teu nome,
E só por ele cuida 
entrar cantando
 No seio do infinito.

 (Machado de Assis, in 'Crisálidas')



FANATISMO(Florbela Espanca)


Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver.
Pois que tu és já toda a minha vida!


Não vejo nada assim enlouquecida.
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!


“Tudo no mundo é frágil, tudo passa…”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!


E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!…”


ESPANCA, Florbela Sonetos. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2005