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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Análise do conto “Chá”, de Marcelino Freire

“A literatura é pois um sistema vivo de obras agindo umas sobre as outras e sobre os leitores; e só vive na medida em que estes a vivem, decifrando-a, aceitando-a, deformando-a.”    Antonio Candido

Para Alfredo Bosi, escritor e crítico literário, “o conto é o lugar privilegiado em que se dizem situações exemplares vividas pelo homem contemporâneo”. Já Julio Cortazar, em seu texto, “Alguns aspectos do conto” (Valise de Cronópio), observa que um conto pode ser o relato de um acontecimento real ou fictício.
Dessa forma, o conto em análise vem ao encontro do pensamento de Bosi ao apresentar personagens que dialogam entre si sobre uma situação vivenciada pelo homem no seu cotidiano.
Nesse sentido, a narrativa apresenta dois personagens que tomam chá em uma sala que, presume-se ser na Academia Brasileira de Letras. A comunicação é estabelecida por meio de um diálogo entre dois escritores que comentam sobre o estado de saúde de um terceiro membro da academia. Este último se encontra em um estado lamentável devido a um derrame, como se pode constatar pelas expressões: “Deu derrame”, “Não diz coisa. Com coisa”.
Do ponto de vista literário, a narrativa apresenta características de um conto moderno. Isso se evidencia pelo espaço e tempo não delimitados e também pela ausência de uma trama, um conflito e um desfecho. Além disso, a própria situação vivenciada pelos personagens se refere a um fato do dia-a-dia.
Quanto ao foco narrativo, percebe-se a ausência de um narrador, visto que, os diálogos se apresentam por meio de um discurso direto entre os dois personagens. De certa forma, é notável um desencontro entre as falas, uma vez que o inusitado das respostas se confirma. Enquanto o primeiro procurava detalhar ao amigo as conseqüências do derrame para o enfermo, o segundo além de ouvir mal, ocupava-se em servir-se das guloseimas oferecidas durante o chá.
Em relação ao tempo, pode-se dizer que a duração do diálogo, bem como do chá abrangem o período de uma tarde. Considerando que, ao longo de sua reprodução social, O Brasil põe e repõe idéias e costumes europeus, algo que Roberto Schwarz procura uma explicação histórica, devido ao próprio processo de colonização a que submeteu o país, é provável que os escritores estivessem degustando de um tradicional “chá das cinco”, um costume londrino.
Em se tratando do espaço, é sabido que o chá de rosas costuma  ser servido para os escritores, em uma sala na Academia Brasileira de Letras. O espaço é, portanto, fechado; percebe-se claramente durante a conversa, alusões a alguns autores como Drummond, ao se referirem a expressão “no meio do caminho tinha uma minhoca”; à Oswald de Andrade, quando se referem à sua antológica frase “biscoito fino”, Augusto dos Anjos, Machado de Assis, o próprio doente que deixará uma grande obra.
Dessa maneira, trata-se de um ambiente refinado, que irradia cultura, contudo, também, se fala sobre assuntos corriqueiros que acontecem diariamente e isso durante um chá informal.
É importante ressaltar que o episódio acontecera em um só dia e em um único ambiente. Assim sendo, o conto apresenta brevidade, tempo e espaço condensados. Segundo Cortazar, a noção de pequeno ambiente revela a esfericidade, a forma fechada que o conto apresenta.
Quanto à forma, o conto apresenta uma linguagem descontraída, marcada pelo coloquialismo bem expresso nas frases: “nuzinho”, “pirou”, “mija”, entre outras. Destaca-se a presença de frases curtas e independentes que garantem um ritmo lento e pausado à leitura,  o neologismo expresso em “xaropou”, algumas aliterações e assonâncias como “piorou, pirou, pimba, pumba, Xii, mija”, cujo som expressa o término da vida e como já fora citado anteriormente, a presença do discurso direto.
O diálogo entre os amigos apresenta um tom irônico ao se referirem ao moribumdo, observado na frase a seguir: “Pirou, piorou, xaropou”. Além disso, um dos personagens ressalta a idéia de que mesmo antes da morte do referido enfermo, já existem muitos que estão de “olho na sua cadeira”. Sendo assim, neste conto, além da simples fala entre os amigos, o autor também aponta para a efemeridade da vida. Ainda cabe ressaltar o fato de que embora o amigo esteja apenas se convalescendo da doença, existem muitos escritores de olho em seu lugar.
Diante desse fato, fica evidente que alguém se beneficiará com a morte do autor. Aliás, é necessário que um “imortal” morra para que outro assuma o seu lugar, lugar este almejado pela maioria dos escritores. Isso nos leva a refletir sobre a vaidade humana, a ambição de se chegar ao mais cobiçado cargo do mundo das Letras, mesmo que para isso “um amigo ou colega” tenha que deixá-lo.
Talvez o doente até se restabeleça e volte a ocupar o seu lugar, mas muitos até sonham com a sua morte. Assim, revela a falta de sentimento do homem para com o próximo quando se trata da vaidade, ascensão profissional ou até mesmo realização pessoal.



“Todo conto perdurável é como a semente onde dorme a árvore gigantesca. Essa árvore crescerá em nós, inscreverá seu nome em nossa memória”. Julio Cortázar

Marcelino Freire é escritor brasileiro. Em 2002 idealizou e editou a Coleção 5 Minutinhos, inaugurando com ela o selo era Odito editOra. É um dos editores da PS:SP, revista de prosa lançada em maio de 2003, e um dos contistas em destaque nas antologias Geração 90 (2001) e Os Transgressores (2003), publicadas pela Boitempo Editorial. Prêmio Jabuti de Literatura, em 2006, na categoria contos pela obra Contos Negreiros (contos, 2005).

Disponível emhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Marcelino_Freire. Acesso em: 14-09-2010.
por Selma Cristina Freitas Pupim 

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