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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Uma análise literária de Sapato de salto, de Lygia Bojunga Nunes

INTRODUÇÃO

O texto Sapato de salto, de Lygia Bojunga Nunes, publicado recentemente apresenta uma série de reflexões em torno dos problemas enfrentados por crianças e adolescentes. Por este motivo, este trabalho se justifica pela carência de estudo da obra em foco, visto pela sua publicação recente. Especificamente, o presente estudo busca analisar a recepção da obra sob o aspecto das questões sociais e analisar criticamente os elementos narrativos, a fim de refletir acerca das relações estabelecidas com o leitor, tendo como base as concepções de Literatura, Literatura Infantil, Leitura e Leitor.

Inicialmente, realizamos a leitura da obra Sapato de salto (2006), de Lygia Bojunga Nunes e, a partir dessa leitura, nos apoiamos em obras de fundamentação teórica e de estudiosos comprometidos com a questão da literatura, leitura e leitor.

A realização da pesquisa proposta tem como fundamento geral a Estética da Recepção, de Hans Robert Jauss e a Teoria do Efeito, de Wolfgang Iser, Estética da recepção e história da literatura, de Regina Zilbermam, De Lobato a Bojunga, de Laura Sandroni, Obra Aberta, de Umberto Eco. Além de estudiosos e teóricos como, Antonio Candido, Marisa Lajolo, Nelly Novaes Coelho e Ana Maria Machado.

O trabalho abrange duas partes: a primeira, de fundamentação teórica, que aborda concepções de literatura

CAPITULO I
1.1  Literatura e Leitura

As concepções atuais de leitura abrangem idéias que dizem respeito não à leitura de decodificação de sinais gráficos, mas sim a que provoca reflexões. Dessa forma, a leitura deve ser vista como uma importante função no trabalho intelectual do sujeito. Dada a importância da leitura para as pessoas, de acordo com os PCNs: Espera-se que o aluno compreenda a leitura em suas diferentes dimensões como, o dever de ler, a necessidade de ler e o prazer de ler” (PCN, 1998 p. 51).
Dessa forma, o rendimento escolar do aluno está relacionado ao seu hábito de leitura, pois esta permite aprender a pensar e falar sobre a própria linguagem por meio de uma atividade reflexiva. Portanto, estabelecer uma boa relação com a leitura “[...] permite desenvolver a capacidade de compreensão, bem como, o desenvolvimento da capacidade construtiva e transformadora” (PCN, 1998. p. 41).
Nesse sentido, a literatura transcende o tempo e tem despertado interesse como objeto de estudo desde tempos imemoriais, uma vez que estudiosos da Antigüidade Clássica já se preocupavam com a definição da literatura. Essa preocupação perpassa os tempos e, com isso, o desenvolvimento da leitura constitui fundamental importância para o homem durante toda a sua vida, principalmente para a sua descoberta e formação pessoal. Trata-se de um processo fundamental e benéfico na formação da sociedade, porque estimula a imaginação, impulsiona o sonho e, como se sabe, sonhar faz parte da natureza humana. O homem se constrói ao sonhar e projetar seus sonhos.
Como sabemos, ler é um meio de se tornar melhor enquanto ser humano inserido em uma sociedade que muito lhe exige. O ato de ler amplia e dá significado à vida do homem, tornando-o mais capaz de lidar com o mundo contemporâneo, pois é somente com o domínio da leitura que o indivíduo adquirirá a capacidade de compreender aquilo que o rodeia, se posicionar adequadamente em relação à pluralidade cultural advinda de um mundo globalizado e se expressar em relação a essa diversidade.
Sob esse aspecto, a obra literária favorece a descoberta de um outro mundo, uma vez que a literatura consolida uma totalidade do real, representa o particular, logo, atinge uma significação mais ampla. Dessa maneira, a linguagem literária representa uma visão típica da existência humana, as formas de pensar e agir, enfim, a literatura pode ser entendida como uma tomada de consciência do mundo traduzida em palavras de forma receptiva e criadora.
Além disso, a riqueza da obra literária, além do próprio prazer pela leitura, apresenta um campo de plena liberdade para o leitor e vantagens que outras modalidades não proporcionam, como observa a autora Ana Maria Machado, em sua obra, Contracorrente: conversas sobre leitura e política:


Podemos ler em qualquer lugar e a qualquer hora – na poltrona preferida junto ao fogo, ou numa rede na varanda, de dia ou de noite. Podemos acompanhar a leitura com outros prazeres, ouvindo música enquanto lemos, comendo bombons ou uma fruta, acariciando um gato... Podemos interromper quando cansamos. Podemos parar para ir consultar algo num dicionário ou enciclopédia, se necessitamos de mais esclarecimentos. Podemos voltar atrás e reler quando não entendemos bem ou quando gostamos muito. Podemos saltar um trecho que começa a ficar enfadonho. Podemos simplesmente dar por encerrado, se achamos que aquilo não nos interessa em nada e não vale o esforço. Ou seja, a leitura nos garante um espaço de liberdade e de conforto que um auditório não poderá jamais oferecer. (MACHADO, 2003, p. 150)


Ainda podemos afirmar que a leitura exerce uma função, compreendida como a socialização do sujeito, no sentido de facilitar a convivência social. Como observa o crítico literário Antonio Candido, no texto A literatura e a formação do homem (1972):


Um certo tipo de função psicológica é talvez a primeira coisa que nos ocorre quando pensamos no papel da literatura. A produção e fruição desta se baseiam numa espécie de necessidade universal de ficção e fantasia, que de certo é coextensiva ao homem, pois aparece invariavelmente em sua vida, como indivíduo e como grupo, ao lado da satisfação das necessidades mais elementares. E isto ocorre no primitivo e no civilizado, na criança e no adulto, no instruído e no analfabeto. A literatura propriamente dita é uma das modalidades que funcionam como uma resposta a essa necessidade universal (...) apoiada em elementos de ficção, de poesia e em geral da linguagem literária. (CANDIDO, 1972, p. 803)


Conforme Candido: “A literatura já não depende mais dos estudantes para sobreviver [...] a literatura se torna acentuadamente “social” [...] a produção literária se transferiu do grupo fechado de estudantes para a comunidade” (CANDIDO, 1972, p. 182-183). Nessa perspectiva, é por meio da linguagem que o homem se reconhece como ser humano, pois pode se comunicar e trocar experiências.
Existe, porém, uma condição prévia para a manifestação da linguagem, ou seja, é preciso haver um grupo humano, no qual o sujeito se confronte com o conjunto e se perceba como sujeito. Dessa maneira, é na convivência social que nascem as linguagens e dessas trocas lingüísticas registram-se a linguagem verbal, por meio do código escrito, o livro, este documento que conserva a expressão do conteúdo de consciência humana individual e social de modo cumulativo.
Assim, o acesso à literatura e textos proporciona o conhecimento de informações sobre a humanidade, gerando vínculos entre o leitor e os outros homens. Constrói-se na obra literária um mundo possível, repleto de lacunas, que são preenchidas pelo ledor no decorrer da leitura.
É dentro desse espírito que a socialização do indivíduo se faz muito além dos contatos pessoais, ou seja, se faz por meio da leitura. Nesse sentido, o livro se torna um instrumento mediador do conhecimento em que todas as pessoas, desde a infância, se tornam leitoras em formação.
Há algum tempo, fala-se em uma mudança na concepção sobre o ato da leitura. Vale apontar algumas visões de leitura com o sentido de situar nossa própria experiência enquanto leitor, diante da concepção de que a leitura se consolida a partir de circunstâncias concretas. Ou seja, num sentido mais amplo, ler envolve uma competência de experiências proporcionadas pela linguagem.
Dessa forma, ler significa absorver sentimentos e informações aliadas aos saberes do mundo. Isso implica em desenvolver competências para a leitura que possam contribuir no sentido da formação de cidadãos capazes de compreender e atuar no mundo atual.
Como já salientado, a leitura constitui um poderoso instrumento no processo de produção de conhecimento por possibilitar o contato do leitor com diferentes formas de vivenciar e compreender o mundo. Assim, a leitura como uma atividade voluntária revela-se, de certa forma, eficaz aos conhecimentos sobre aspectos da vida cotidiana.
A atividade do leitor poderá se concentrar na leitura de reflexão, uma leitura mais densa marcada com momentos de pausa e de retomada de idéias, como também pela leitura de distração, que se constitui no mais puro deleite, cujo objetivo é o relaxamento e o prazer. Essas leituras exigem domínio do ato de ler, variando apenas a intenção que o leitor deposita numa situação e outra.
Essas reflexões permitem pensar que a leitura entra no mundo infanto-juvenil como um jogo, como uma construção que permite a exploração desse universo. Essa aproximação com o conhecimento é um processo de transformação que ocorre no contato da leitura com prazer e fruição, especificamente na arte, ou seja, na literatura.
Isso mostra que, por meio do ato voluntário da leitura torna possível aprender a ler explorando o texto, envolvendo-se e alienando-se a ele. Na concepção de Umberto Eco, em Obra Aberta (2001), o homem aliena-se no mundo das coisas e das relações sociais amoldando-se a elas. Para o autor:


[...] a alienação é conseqüência da relação de todo ser humano com o mundo das coisas que o cerca. [...] a alienação não se limita mais a definir uma forma de relação entre indivíduos [...] mas sim toda uma série de relações estabelecidas entre homem e homem, homem e objetos [...] homem e convenções sociais, homem e linguagem. (ECO, 2001, p. 233 - 4)


Como sabemos, bons leitores receberam na infância um momento de leitura, pelo prazer da descoberta e assim desvendaram essa magia que constitui uma linguagem para os olhos numa visão global. À medida que o sujeito reconhece as muitas faces da leitura, é criada uma visão que encobre os elementos isolados passando a se constitui como um sujeito leitor.
O romancista inglês John Fowles, autor de várias obras, entre elas, The Tree (A Árvore), compara a literatura e, sobretudo, o romance a uma árvore. E a partir daí, Fowles fala da literatura como “[...] um eterno passeio entre as árvores de um jardim ou bosque”. (apud MACHADO, 1999, p. 89)
Como propõe o autor, ler um livro é como andar entre as árvores e ressalta sobre a característica do momento de liberdade que envolve a magia da leitura, bem como, o convívio com a página escrita. Conforme relata Fowles, no texto Vamos passear no bosque, de Ana Maria Machado:


[...] quando a leitura do mundo que o autor fez antes de escrevê-lo foi sensível e inteligente, o texto vai permitir que o leitor o escreva novamente quando for lê-lo [...] o encanto de andar pelo campo, num jardim, ou entre as árvores, está na “explorabilidade”, na possibilidade de a gente se viciar, sem cura, nos prazeres da descoberta e da experimentação. (apud MACHADO, 1999, p. 90)


Segundo Nelly Novaes Coelho, em Literatura: arte, conhecimento e vida (2000), o poder mágico da literatura desperta conhecimento e prazer, se constrói pelo olhar da descoberta refletindo uma paisagem do mundo atual capaz de transformar mentes. É pelo imaginário que se pode conquistar o verdadeiro conhecimento de si mesmo e do mundo. Sendo assim, a autora aponta a literatura como um dos mais eficazes instrumentos de constituição dos imaturos.
Sem dúvida, o melhor estímulo para a leitura é a curiosidade. Essa curiosidade é despertada quando alguém fala com entusiasmo de algo que está lendo ou leu; pode ainda ser despertada, nas crianças e jovens ao imitar o comportamento de alguém que se admira. Nesse sentido, adultos que não lêem não são exemplos de bons leitores nem despertam a curiosidade sobre a leitura.
Dessa maneira, a interferência dos mediadores de leitura detém papel relevante no comportamento do leitor, no sentido de influenciar a prática da leitura como fato presente no cotidiano. Sabemos que a leitura proporciona um avanço cultural e esse progresso contribui para o surgimento do pensamento crítico, além de estender a capacidade leitora a todas as situações da vida diária.
Para Umberto Eco, o texto literário trabalha pouco para se constituir e, sendo assim, delega ao leitor a tarefa de completá-lo. Segundo Eco, um texto necessita da intervenção dos leitores para que funcione. Isso posto, a obra traz para o universo do leitor novas possibilidades de sentido. Nessa perspectiva, todos os segmentos sociais podem ser mobilizados para a leitura, que identifica o leitor com o conteúdo. Assim, uma das necessidades fundamentais do homem é dar sentido ao mundo e a si mesmo e o livro permanece como veículo primordial para esse diálogo.
O ato da leitura, portanto, é um encontro de horizontes de expectativas, o da obra e o do leitor, que se dá sempre de modo novo a cada leitura. Nesse enfoque, ler é ampliar horizontes e a literatura será tanto melhor quanto mais provocar o seu leitor.
Dessa forma, a literatura se efetiva na construção de seus elementos estruturais, porém essa estrutura não se configura um todo uniforme, constrói-se, numa obra literária, um mundo possível, envolvendo lacunas que são preenchidas pelo leitor. Assim, uma obra poderá representar toda uma vida em algumas páginas sem que se perca a ilusão de realidade dos fatos narrados.
A riqueza de uma obra literária consiste para o leitor em um campo amplo de leituras, daí provém o prazer da leitura, despertando a consciência desse leitor, sem, contudo, obrigá-lo a sua própria visão da realidade concreta. Sob esse aspecto, a literatura captura o seu leitor e o prende na construção de imagens que o completam.
A fruição e o prazer, por sua vez, resultam da capacidade do leitor em vivenciar a situação e dela participar e viver cada personagem. O envolvimento entre o leitor e a obra é que determinará o proveito da leitura. Isso faz supor que quando o leitor está desatento ou a história não lhe prende a atenção, qualquer ruído o distancia do texto; fator que impede o máximo de precaução e aplicação do leitor na leitura.
Este envolvimento do leitor com a literatura se concretiza na medida do prazer que a leitura proporciona e aos interesses da criança e do jovem leitor. Quando o ato de ler desencadeia um processo de identificação da obra com elementos da realidade, o prazer pela leitura flui de forma que se instaura um diálogo com questionamentos e soluções para situações enfocadas na obra lida. Portanto, da leitura surge a descoberta de modos alternativos de ser e de viver, o que caracteriza uma forma mais agradável e efetiva de leitura.
O ato de ler é, portanto, gratificante, capaz de suscitar prazer, pois funciona como um jogo em torno da linguagem, das idéias, das formas e da capacidade criadora do autor. As autoras Bordini e Aguiar, na obra, Literatura: a formação do leitor: alternativas metodológicas (1988) se referem à estética idealista:


Essa concepção de leitura remonta à estética idealista do séc. XVIII, mais precisamente a Immanuel Kant, que define a literatura e a arte em geral como um modo de representação que por si mesmo é final, embora sem fim, no entanto propicia a cultura dos poderes da mente para a comunicação social. Essa teoria chega valorizada ao século XX, que continua prestigiando o fenômeno estético pela sua capacidade de provocar prazer. (BORDINI e AGUIAR, 1988, p. 26)


As obras literárias apresentam estruturas diversas, em que o leitor se encarregará de desvendar. A estrutura de uma obra poderá apresentar uma seqüência narrativa contínua e, por ora, ser interrompida por outras que nela se encaixam, dessa forma, as narrativas paralelas são complementares à principal. O jogo com o tempo permite ao autor concentrar anos em linhas ou segundos em páginas, de acordo com as estratégias de seu discurso narrativo.
O narrador poderá, ainda, omitir fatos e revelá-os mais tarde para provocar suspense. Na obra em questão, o narrador não revela de início que a personagem encontrará pessoas da família. De qualquer forma, o tempo da história tem uma extensão maior que o tempo que levamos para ler a informação e anos da vida de um personagem poderão ser resumidos em um único parágrafo.


1.2 Estética da recepção


A estética da recepção tem sido estudada a partir de estudiosos como, o italiano Umberto Eco e pelos teóricos alemães Hans Robert Jauss e Wolfang Iser, fundadores dessa corrente teórica.
Vários autores discorreram sobre a literatura a partir do enfoque recepcional como, Roman Ingarden, 1931 em A obra literária; Rolan Barthes, 1937 em O prazer do texto; Hans Robert Jauss, 1967, década de 60, A história da literatura, como provocação à teoria literária; Umberto Eco, 1993 em Leitura do texto literário e Wolfang Iser, 1996 em O ato da leitura: uma teoria do efeito estético.
Conforme tal concepção, com o passar das décadas, uma obra pode apresentar outras leituras, em diferentes momentos, ou seja, a forma como o leitor lerá a obra de acordo com a estética que o autor a criou. A recepção é concebida, pelos teóricos alemães da Escola de Constança como uma concretização pertinente à estrutura da obra, tanto no momento da sua produção como no da sua leitura, que poderá ser estudada esteticamente.
Uma obra literária é válida quando se apreende a essência da história, conscientiza o leitor como ser humano e resgata-o das distorções ideológicas que o alienam. Sob esse enfoque, a teoria da estética da recepção vem desenvolver seus estudos em torno da reflexão sobre as relações estabelecidas entre narrador, texto e leitor. Dessa maneira, torna-se possível avaliar a obra como um objeto preenchido pela atividade de leitura e que se realiza sempre a partir de um horizonte de expectativas.
Assim, uma obra literária poderá ser avaliada com base na teoria recepcional, por meio da descrição de componentes internos e dos espaços vazios a serem preenchidos pelo leitor. Dessa forma, é estabelecido um confronto entre a obra e as expectativas dos diferentes leitores. A partir dessa realidade é possível pensar numa interação entre a obra e o leitor, diante de um leitor crítico, capaz de discriminar intenções e assumir atitudes perante a leitura.
A análise da obra se estrutura acerca dos elementos textuais que predominam sobre a subjetividade do leitor. Dessa forma, diante da reflexão do leitor, pressupõe-se uma tomada de posição racional, buscando uma correlação da ficção com a realidade. Tudo isso significa uma série de reflexões e de efeitos para produzir impacto no leitor, uma vez que a concepção da estética literária é formada na recepção do leitor.
O estudo que nos propomos a analisar visa abordar a inserção de personagens com as quais os adolescentes se identificam, na obra em estudo e, com isso, ampliar os horizontes do leitor.
O crítico Antonio Candido, em sua obra, Formação da literatura brasileira (1997), observa que:


Em face do texto, surgem no nosso espírito certos estados de prazer, tristeza, constatação, serenidade, reprovação, simples interesse. Estas impressões são preliminares importantes; o crítico tem de experimentá-las, pois elas representam a dose necessária de arbítrio, que define a sua visão pessoal. O leitor será tanto mais crítico, sob este aspecto quanto mais for capaz de ver, num escritor [...] ao que os outros vêem. [...] Delas sairá afinal o juízo, que não é julgamento puro e simples, mas a avaliação, reconhecimento e definição de valor. (CANDIDO, 1997, p. 34).


A estética da recepção preocupa-se com a relação entre texto e leitor e lhe confere um espaço privilegiado, ou seja, o principal elo do processo. Trata-se de uma teoria que se preocupa com a leitura e o leitor. A partir dos anos 60 inicia-se uma ampla discussão em torno da leitura; ler passa a envolver, não somente a escola, como os setores mais esclarecidos da sociedade. Nesse momento, o enfoque passa a refletir sobre o leitor, a experiência estética, as possibilidades de interpretação e novas propostas metodológicas foram apresentadas. A corrente estrutural, por sua vez, auxilia na interpretação de textos literários.
Hans Robert Jauss, no dia 13 de abril de 1967, expôs o manifesto da estética da recepção, na Universidade de Constança, como principal produto da reforma educacional na Alemanha e começa uma recusa dos métodos tradicionais no ensino da literatura, que eram centrados em padrões herdados do idealismo ou do positivismo do século XIX. No ano de 1975, Jauss fez uma exposição durante o congresso bienal dos romanistas alemães situando o aparecimento da estética da recepção dentro dos acontecimentos políticos e intelectuais da década de 60.
A conferência de 67 teve caráter inaugural e a partir daí grandes transformações afetaram a vida universitária e a sociedade ocidental, mudando os padrões de comportamento e a vida cultural de modo a buscar a transformação da arte e da literatura.
Em vista disso, a preocupação com o texto literário, a recepção e a formação do leitor em construção passa a ser o foco de estudiosos em literatura. Em virtude de mudanças contextuais, novas normas literárias, novos métodos de análise e interpretação da obra literária contribuem para um novo conceito de leitor produzindo diferentes expectativas desse público.
Diante desse quadro, os estudos de Wolfgang Iser e Hans Robert Jauss sobre a Estética da Recepção conferem à leitura uma natureza emancipatória assegurando ao receptor a liberdade de escolha.
Como observa Jauss, no texto, Estética da recepção e história da literatura, “[...] a experiência da leitura liberta das opressões e dos dilemas de sua práxis de vida” (apud ZILBERMAN, 1989, p. 49), na medida em que obriga o leitor a uma nova percepção das coisas. Assinala o estudioso,


Jauss propõe uma inversão metodológica na abordagem dos fatos artísticos: sugere que o foco deve recair sobre o leitor ou a recepção e não exclusivamente sobre o autor e a produção. Seu conceito de leitor baseia-se em duas categorias: a de horizonte de expectativa, misto dos códigos vigentes e da soma de experiências sociais acumuladas; e a emancipação, entendida como a finalidade e efeito alcançado pela arte, que libera seu destinatário das percepções usuais e confere-lhe nova visão da realidade. (apud ZILBERMAN, 1989, p. 49).


Dessa forma, de acordo com Jauss, a literatura pode modificar a percepção do leitor, devido os efeitos que a obra produz sobre ele. Sob esse aspecto, Jauss acredita que o valor da obra decorre da percepção estética que ela é capaz de suscitar e a obra literária se concretiza a partir do momento em que é lida por um leitor inserido num determinado espaço e tempo. Para Jauss, a recepção representa um envolvimento intelectual, sensorial e emotivo com uma obra, pois o leitor se identifica com esses conceitos e os transformam em modelos de ação.
O autor ainda não acredita que o significado de uma criação artística possa ser alcançado, sem ter sido vivenciado esteticamente, pois não há conhecimento sem prazer. Portanto, a arte produz no espectador efeitos e atitudes que provocam uma infinidade de reações que dependem de sugestões emitidas pela obra, sobretudo, pela caracterização do personagem.
Segundo Jauss, tanto o caráter estético da obra quanto o papel social da arte se concretizam na relação da obra com o leitor, porém cumpre formular um novo conceito de leitor. Com isso, confere ao leitor um lugar mais ativo e uma função social à literatura, entendida a partir do relacionamento dessa com o leitor. Portanto, a função social da arte incide da possibilidade de influenciar o destinatário.
Sendo assim, a estética da recepção parte do pressuposto de que “[...] a vida histórica da obra literária não pode ser concebida sem a participação ativa do seu destinatário”. (ZILBERMAN, 1989, p. 33). Jauss reformula a história da literatura pela premissa de que esta literatura se manifesta durante o processo de recepção e efeito de uma obra.
Desse modo, a relação dialógica entre o leitor e o texto é um fato primordial da história da literatura, uma vez que, cada leitor poderá reagir individualmente a um texto, pois a recepção é um fato social e este é um horizonte que marca os limites dentro dos quais uma obra é compreendida em seu tempo.
Em uma de suas teses, Jauss procura examinar as relações da literatura com a sociedade. O autor enfatiza a função que essa exerce, de cunho formador: a literatura pré-forma a compreensão de mundo do leitor, repercutindo então, em seu comportamento social. Segundo o estudioso, a arte não existe para confirmar o conhecido e sim para contrariar expectativas. A literatura pode levar o leitor a uma nova percepção de seu universo.
Nesse sentido, a relação entre literatura e leitor poderá ser vista como um estímulo à percepção estética levando à reflexão moral. Com isso, a estética da recepção considera o impacto da obra na sociedade, na história e na resposta do leitor e, para Jauss, ela começa com a recepção da obra, apreende o passado numa visão histórica do tempo e atribui a cada período uma particularidade, trazendo de volta a si e dá ao que ela transformou em presente, ou seja, o novo sentido que transmitiu, a sua própria posição.
Conforme o estudioso, a arte não se resume apenas em reflexo dos eventos sociais, ela desempenha um papel ativo, pois além de participar do processo de formação, ela faz história motivando os comportamentos sociais e, por conseqüência, coloca-se à frente da sociedade e exerce com mais eficácia seu caráter emancipatório.
Em síntese, a metodologia sugerida por Jauss nos estudos que desenvolvem a estética da recepção evidencia o leitor como parte do texto, um componente a quem compete acompanhar a fala do narrador e que resulta no relacionamento entre a obra e a realidade. Portanto, o modo como a história se apropria dos elementos do cotidiano e os transforma artisticamente indica seus contatos com a sociedade. Para a estética da recepção é irrelevante se a literatura reproduz fielmente o universo a sua volta, o foco está voltado para como essa realidade foi transferida para a ficção.
A valorização da experiência estética confere ao leitor um papel produtivo resultando na identificação com a obra lida, reforçando a idéia de que uma obra só poderá ser julgada do ponto de vista do relacionamento de seu destinatário, porque ela produz efeitos, age sobre o leitor e o convida a participar de um novo horizonte ampliando suas expectativas. A estética da recepção ao resgatar a natureza emancipatória de uma obra, também a emancipa salvando-a dos laços constrangedores da história da literatura tradicional.


CAPITULO II


2.1 A Literatura Infanto-Juvenil


Inicialmente, discutimos questões teóricas relativas à literatura, leitura, leitor e estética da recepção. A partir de tais considerações, estenderemos nossas reflexões ao estatuto da literatura infanto-juvenil e as implicações, sobretudo, ao objeto inspirado ao gênero literário.
De acordo com Laura Sandroni, a literatura infantil surge nos fins do século XVII, quando o escritor francês François de Salignac Fénelon publica seu Traité de l´éducation dês filles, obra destinada às filhas do Duque de Beauvillier. Surgem, desde então, obras com o intuito de divertir as crianças.
Conforme Sandroni, em sua obra De Lobato a Bojunga: As Reinações Renovadas (1987), as fábulas aparecem no ano de 1251, de autoria de Juan de Cápua, em 1489 com Esopo, em versões bastante conhecidas. Giovanni Battista Basile publica pela primeira vez, a Gata Borralheira, a Bela Adormecida, a Branca de Neve, entre outras. La Fontaine retoma a tradição de Esopo com suas Fábulas.
A literatura oral, com a tradição do “ouvir histórias”, ocupou a sua preferência na maioria das culturas. Estudos dessa natureza demonstram a continuidade das lendas, mitos e a epopéia na ficção contemporânea. Assim, o folclore e a mitologia surgem como fonte de inspiração de novas narrativas. Charles Perrault surge no ano de 1677 com contos especialmente selecionados para o entretenimento das crianças e inaugura um campo novo, a cultura do povo e, a partir daí, inúmeros escritores passaram a escrever para crianças como, Madame Leprince com o famoso conto, A Bela e a Fera (1753).
No século XIX, surgem os Irmãos Grimm, com clássicos da Literatura Infantil universal e em 1835 aparece Hans Christian Andersen, como o patrono de Literatura Infantil e cria personagens universais como, o Soldadinho de Chumbo, o Patinho Feio entre outros. Em 1865, surge a obra-prima Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll.
O Brasil, como colônia de Portugal, sofria influências culturais e sócio-econômicas, assim os modismos literários também atingiram a Literatura Infantil até o aparecimento de Monteiro Lobato, o primeiro autor brasileiro a criar obras com características literárias. Embora alguns autores dessem suas contribuições em traduções de obras produzidas na Europa para o público infantil brasileiro, Carl Jansen e Figueiredo Pimentel representaram essa fase inicial da tradução. Essas traduções apresentavam uma linguagem distante ao linguajar brasileiro; há uma adaptação da linguagem, de maneira a abrasileirar os textos, aproximando-os da criança. Zilberman e Lajolo afirmam a impossibilidade de falar em literatura para crianças, uma vez que elas apresentavam dificuldade em ler os livros em traduções portuguesas.
Nesse período, além da influência religiosa, mantida pelos padres e jesuítas, o governo proibia a entrada de obras que veiculassem idéias de liberdade. O privilégio da leitura restringia à classe dominante até a Constituição de 1824 e declarava a todas as classes a instrução primária, criando assim escolas em cidades, vilas e lugares mais importantes.
No início do século XX, alguns autores brasileiros iniciam a primeira etapa no desenvolvimento da literatura escolar. A literatura oral ganha força juntamente com as tradições indígenas, a mitologia, as contribuições africanas, o cordel e o folclore, pela simplicidade de seus temas e a leitura acessível. O conto e a Literatura Popular despertaram os interesses de alguns autores, pois a linguagem oral adquiria cada vez mais características próprias. Surgem também as narrativas de fundo moral, jogos, cantigas de roda, adivinhas, charadas e provérbios.
No ano de 1920, José Bento Monteiro Lobato publica A Menina do Narizinho Arrebitado, inaugurando uma fase literária destinada a crianças e jovens. Lobato, dotado de uma linguagem original e criativa, aproxima o pequeno leitor à obra, inovando e tratando em seus textos temas considerados impróprios às crianças, no entanto, eram mencionados de forma simples e clara por um coloquialismo capaz de atingir e, ao mesmo tempo, agradar o público infantil.
O Sítio do Pica-pau Amarelo reúne histórias cujos personagens encantam as crianças e adultos durante gerações; Lobato cria a partir daí o seu universo ficcional, dando aos seus personagens as características do povo brasileiro, representando um aspecto da realidade com a qual a criança se identifica e por meio deles emite os seus pontos de vista, faz críticas, porém aproxima os pequenos leitores dos inúmeros problemas os quais o país enfrenta.
Segundo Laura Sandroni, a maior contribuição de Lobato à Literatura Infantil é a visão lúdica e a fantasia, o mundo mágico e o faz-de-conta constante em suas obras com o propósito de transmitir ensinamentos. Lobato também presenteou as crianças com obras inspiradas no folclore brasileiro, além das adaptações dos clássicos entre eles, Dom Quixote para Crianças (1936), Robinson Crusoé (1935) e Alice no País das Maravilhas (1972). O autor foi o primeiro a fazer do folclore um tema sempre presente em suas histórias, onde trazia para o universo da criança os grandes problemas considerados exclusivos dos adultos.
Além disso, alguns aspectos básicos evidenciam o nível de criação artística do escritor como o humor, a renovação da linguagem, ao utilizar as inúmeras possibilidades que o idioma oferece aproximando a língua coloquial na busca da fala brasileira.
O pesquisador João Luís C. T. Ceccantini, chama a atenção para o gosto de Lobato pelo humor:


No amplo debate instaurado por essa produção crítica renovadora, chama atenção um tópico recorrente na absoluta maioria dos trabalhos: o gosto de Lobato pelo humor , seja no nível de sua vida cotidiana, seja no âmbito de sua produção literária e jornalística. Poucos desses estudos deixam de fazer referência ao humor lobatiano ou mesmo de sublinhar a importância deste aspecto para a plena compreensão do homem e de sua obra. (apud DUARTE, 2006, p.15-16) (grifos do autor)


Para a professora e estudiosa, Lia Cupertino Duarte, em sua obra, Lobato humorista: a construção do humor nas obras infantis de Monteiro Lobato (2006), fica claro que além da preocupação com a linguagem, Lobato quis provocar o riso nas crianças. Isso se observa no fragmento transcrito a seguir:


Como se pôde observar, desde a estréia literária de Lobato, não há estudioso que, ao se debruçar sobre sua produção, não chame atenção para o caráter humorístico de seus textos. [...] a fusão entre o real e o maravilhoso, a criação de uma nova linguagem literária [...] em especial, a presença do humor. (DUARTE, 2006, p. 32-276)


A autora verifica como se processa a construção do humor nas obras de Monteiro Lobato:


Ao incorporar o humor como procedimento de construção literária, o texto lobatiano possibilita de modo prazeroso e não-dogmático o exercício da reflexão e da contestação, a capacidade de penetrar nas tensões dialéticas. (DUARTE, 2006, p. 280)


Como propõe a autora, a função do humor na literatura infantil seduz o jovem leitor e Lobato inova a produção de suas obras, assim, “[...] o humor presente na obra infantil de Lobato prioriza alguns focos, quais sejam, as situações (cômicas), as personagens e a linguagem”. (DUARTE, 2006, p. 35)
De acordo com a professora Lia Cupertino Duarte, o sucesso literário do autor está em sua tendência lúdica, que encontra no humor um meio de expressão. Ainda em relação à linguagem, ressalta a autora “[...] o autor inaugura uma nova estética da literatura infantil no país, concebendo-a como arte capaz de modificar a percepção de mundo e emancipar seus leitores”. (DUARTE, 2006, p. 279). Como já salientado:


Os livros de Lobato [...] proporcionam observações muito interessantes sobre a evolução de sua linguagem e seu estilo, dois aspectos que sempre o preocuparam em seu processo de criação literária. Na busca de um estilo inovador e pessoal, a clareza, a propriedade de expressão e a autenticidade nacional da língua portuguesa (ou brasileira como queria ele) serviram-lhe de critérios norteadores. (DUARTE, 2006, p. 90).


Em relação à língua, aos recursos semânticos, sonoros, o jogo de palavra, o uso de termos técnicos, estrangeiros e regionalismos conferem à obra de Lobato um estilo próprio. Assim observa Maria Teresa Gonçalves Pereira, no texto de Laura Sandroni, De Lobato a Bojunga: As Reinações Renovadas:


Monteiro Lobato tinha idéias revolucionárias sobre língua, conceitos próprios e incomuns (...). Parece-nos que Lobato quer atingir os puristas do seu (e do nosso) tempo, os que o acusaram de “poluir” a língua, ou lhes dar uma resposta operando num nível lingüístico totalmente incompatível com os padrões estabelecidos na época, utilizando a língua para chamar a atenção para o discurso em si. (apud Sandroni, 1987, p. 57)


Se por um lado, Lobato provocou inovações no âmbito da Literatura Infanto-juvenil, por outro, percebemos intensas estagnações nos anos precedentes. Nelly Novaes Coelho afirma que a Literatura infantil durante as décadas de 40 e 50 viveu um período conturbado devido à política. Esse período se estendeu até a revolução de 1964 sem grandes produções.
Nos anos 60, alguns escritores se entregam aos desafios da imaginação e o teatro infantil surge como um momento criativo de textos literários para crianças. Sendo assim, se destacam como criadores do teatro Maria Clara Machado, Tatiana Belinky ao lado de Júlio Gouveia, criando na TV Tupi a série O Sítio do Pica-Pau Amarelo, entre outros. Nessa época, se expande os aparelhos audiovisuais e as novas gerações se afastam cada vez mais da leitura e a literatura se afasta do cotidiano das pessoas.
Diante desse contexto, surge a poesia na música popular com os grandes festivais, apontando alguns grandes nomes como, Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo, Rita Lee, Elis Regina, Maria Bethânia, Gal Costa, Jair Rodrigues e tantos outros.
No final da década de 70, a nova literatura infanto-juvenil surge com uma nova concepção de mundo. Algumas modificações acontecem no sentido de uma grande diversificação da produção, com o aparecimento de novos autores. Nesse momento, Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Eva Funari, João Carlos Marinho, Lúcia Góes. Lygia Bojunga Nunes lança as bases do novo universo da Literatura Infantil em Os Colegas (1972) e Angélica (1975).
Nesta década, a poesia destinada às crianças concentrava-se em nomes como, Vinícius de Moraes, destacando com a beleza e a emoção da A Arca de Noé; Mário Quintana com Pé de Pilão inova a forma poética fazendo prevalecer o humor; Cecília Meireles publica Ou Isto ou aquilo. Também Drummond e Bandeira criam poemas encantando as crianças.
Esse período marca uma nova criação literária centrado na linguagem, ritmos e perspectivas que diferenciam um novo livro infantil, cujo objetivo principal é atrair o pequeno leitor e envolvê-lo na descoberta pela leitura. Em cada um dos autores, a presença de diferentes estilos, particularidades e qualidades como o humor, o lúdico, a linguagem poética, porém com a mesma função, ou seja, a de proporcionar à criança um papel transformador identificando-a com os personagens, fundindo realidade e fantasia.
Para a autora Nelly Novaes Coelho, a invenção literária nos anos 70-80 oferece ao público infantil histórias vivas e bem-humoradas, buscando o entretenimento de forma consciente em relação ao mundo à sua volta. Alguns nomes como, Ana Maria Machado, Edy Lima, Lygia Bojunga, Ruth Rocha, Ziraldo, entre outros marcaram essa época pela alta criatividade e ludismo. Aliado aos estilos próprios, há a valorização da imagem ou da ilustração como linguagem sedutora, formadora da consciência de mundo do pequeno leitor se consolida como fator comum estimulando o olhar da descoberta.
Nesse momento, no auge dos anos 70-80, entre os bestsellers, algumas obras se destacam, entre elas: A fada que tinha idéias, de Fernanda Lopes de Almeida; Nicolau tinha uma idéia, de Ruth Rocha; A bolsa amarela, de Lygia Bojunga Nunes; Bisa Bia Bisa Bel, de Ana Maria Machado; O menino maluquinho, de Ziraldo e outros.
A Literatura Infantil, na década de 80, atrai escritores novos e outros já consagrados multiplicando as invenções artísticas e literárias, distanciando um pouco distante dos contos de fadas, como exemplo, Lygia Bojunga Nunes situa-se entre os autores que tematizam os problemas da sociedade contemporânea, sobretudo, onde a criança é vitimada. A autora desfaz a fórmula de que a riqueza vem associada à vitória e ao bem, com sentimento de felicidade e dinheiro; a feiúra à maldade e altera o desfecho dos contos de fadas: “E foram felizes para sempre”.


CAPITULO III


3.1 Lygia Bojunga Nunes


Passemos, então, ao estudo de Lygia Bojunga Nunes. A autora rompe com o conceito de literatura infanto-juvenil, aquela destinada apenas ao entretenimento, passando a produzir uma literatura inquieta e questionadora. Sem abrir mão do imaginário, Lygia direciona suas obras a todos os leitores, abordando temas diretamente relacionados ao cotidiano, em especial, focando a criança como personagem.
Lygia Bojunga é considerada uma das mais interessantes escritoras brasileiras. Suas obras não podem ser restringidas ao espaço infanto-juvenil, é uma leitura para todas as idades. Seus textos são complexos, delicados e podem ser lidos em vários planos: o lúdico e a fantasia para as crianças; os questionamentos, inseguranças e medos para os adolescentes; a saudade e o perverso para os adultos, com a naturalidade do fictício que aponta para o real.
A autora recebeu diversos prêmios como, o prêmio Hans Christian Andersen, quase todos os seus livros foram premiados nacional e internacionalmente, foi a única escritora brasileira a ter recebido a medalha, sem dúvida, um dos mais importantes prêmios internacionais no campo da literatura infanto-juvenil, conferido à escritora em 1982. Em 2004 ganhou o prêmio ALMA – Astrid Lindgren Memorial Award, o maior prêmio mundial criado em 2003 e recebido pelo governo sueco e que, ao lado do prêmio Andersen, consiste, hoje, em uma das maiores premiações internacional do gênero. Em 2004, no Brasil, foi eleita personalidade literária do ano, recebendo o Prêmio faz Diferença, de O Globo.
Os livros da autora foram traduzidos para o inglês, o alemão, o francês, o espanhol, o italiano, o sueco, o norueguês, entre outros idiomas, conquistando inúmeros leitores das mais diferentes nacionalidades, culturas e idades. O que só veio confirmar a dimensão vertical de sua literatura, capaz, como poucas, de unir o particular e o geral, o real e o fantástico, conferindo universalidade à obra.
Lygia Bojunga Nunes publicou vinte e uma obras: Os Colegas (1972), Angélica (1975), A Bolsa Amarela (1976), A Casa da Madrinha (1978), Corda Bamba (1979), O Sofá Estampado (1980), Tchau (1984), O Meu Amigo Pintor (1987), Nós Três (1987), Livro – um Encontro (1988), Fazendo Ana Paz (1991), Paisagem (1992), Seis Vezes Lucas (1995), O Abraço (1995), Feito à Mão (1996), A Cama (1999), O Rio e Eu (1999), Retratos de Carolina (2002), Aula de Inglês (2006), Sapato de Salto (2006), Dos Vinte l (2007).
Dessa maneira, os conflitos conferem à sua produção um caráter único, dado à forma excepcional com que a autora expõe o interior de seus personagens por meio da originalidade da sua linguagem e altíssimo grau de criação. Suas narrativas abrem novos caminhos ao questionar o mundo e o leitor em suas contradições e desejos, porque são capazes de comover adultos e crianças de forma como só a literatura sabe fazer.
Umberto Eco, já citado anteriormente, afirma em Obra aberta (2001) que a arte contemporânea rompe módulos de ordem e fala do homem de hoje, através da maneira pela qual se estrutura, ainda escreve que:


[...] a primeira afirmação que a arte faz do mundo e do homem, aquela que pode fazer por direito e a única de significado real, ela a faz dispondo suas formas de uma maneira determinada [...] narrando um “assunto” diretamente relacionado com nossa vida concreta [...] reconduzir certa problemática atual. Com isso, chegamos mais perto do âmago do problema: não se pode julgar ou descrever uma situação qualquer, em termos de uma linguagem que não seja expressão dessa mesma situação, pois a linguagem reflete um conjunto de relações [...]. (ECO, 2001, p. 255 - 257)


Nesse sentido, Eco ressalta que, o verdadeiro conteúdo da obra, torna-se seu modo de ver o mundo e de julgá-lo, traduzido em modo de formar, pois é nesse nível que deverá ser conduzido o discurso sobre as relações entre a arte e o mundo. E, com isso, a literatura organiza palavras que significam aspectos do mundo. Diante do exposto, temas como a morte, o abandono, o estupro, o homossexualismo e prostituição infantil são pontos chaves da obra Sapato de salto (2006), de Lygia Bojunga Nunes.
A escritora oferece aos leitores uma clara visão dos diferentes comportamentos sociais e os convida a uma caminhada que parte da fantasia ao domínio da lógica, deslocando para uma perspectiva da própria criança. Lygia Bojunga Nunes cria a sua obra em torno da personagem principal e ao seu redor surgem personagens que são inseridos na história acrescentando novos dados vividos em histórias paralelas. Um destaque aos problemas de cada um, pela ótica do narrador, faz da narrativa um deleite aos olhos do leitor.
Assim como observa Laura Sandroni, em sua obra De Lobato a Bojunga: as reinações renovadas:


Na literatura brasileira contemporânea destinada a crianças e jovens encontram-se textos nos quais predomina o diálogo do Autor com o real em busca de sua apreensão. Neles temos a função lúdica aliada à postura questionadora dos valores e comportamentos sociais que definem o artista como transgressor. (SANDRONI, 1987, p. 168)


Nessa perspectiva, a obra de Lygia Bojunga Nunes está comprometida com uma proposta inovadora no sentido de investir na constituição do leitor em formação, o que significa incentivá-lo ao prazer, de modo a multiplicar a sua experiência literária. A produção literária da autora representa um papel decisivo neste processo, assegurando com suas histórias, leitores mais assíduos. Isso se comprova com a busca freqüente de livros próximos à realidade do leitor, que levantam questões significativas para ele.
Por tudo isso, a literatura brasileira e a literatura infanto-juvenil vêm preencher esses quesitos ao fornecerem obras diante das quais o leitor em formação facilmente se situa, pela linguagem, pelo ambiente, pelos caracteres das personagens e pelos problemas colocados no texto. Acredita-se, que essa familiaridade do leitor com a obra gera uma predisposição para a leitura e a conseqüente magia do ato de ler. E é a partir das expectativas do jovem leitor e dos interesses dos mesmos, gerados por uma necessidade, que impulsiona uma ação.
Contudo, o interesse pelas obras da autora se estende desde a idade do conto de fadas, onde o leitor procura, por meio da fantasia, uma solução para os seus conflitos até a fase em que começa a orientar-se mais para o mundo real e escolhe, neste período, histórias que lhe apresentam o mundo como ele é através da percepção de cada personagem.
Lygia mostra em suas obras que a infância está sempre sujeita à prepotência dos adultos e expõe a tensão violenta que envolve toda a sociedade e da qual a criança não está protegida e, é talvez a maior vítima. A autora não expõe um mundo colorido e perfeito, falso e inexistente, mas mostra-o tal qual ele é, cheio de dificuldades. Esse conflito em suas obras leva o leitor a uma visão crítica da sociedade
Tendo em vista os aspectos observados, a leitura da obra Sapato de salto (2006), une a satisfação de uma necessidade de caráter recreativo a uma série de outros interesses de leitura das crianças e jovens, considerando a idade, escolaridade, sexo e nível sócio-econômico. É sabido que, mesmo dentro de cada período da vida humana, esses interesses se modificam à medida que se processa o amadurecimento do indivíduo.
Conforme Laura Sandroni:


A obra de Lygia Bojunga Nunes, como se procurou demonstrar, situa-se entre as que melhor evidenciam essa concepção inovadora: a de uma Literatura Infantil suficientemente amadurecida para colocar-se lado a lado com a produção artística na qual os valores estéticos preponderam. Seus textos são essencialmente literários, originalmente metafóricos e questionadores, realizam-se enquanto linguagem promovendo a empatia. A distância Autor/Leitor é por ela anulada porque seu caminho é o da introspecção: ela está em busca da criança dentro de si mesma e por isso sua obra interessa ao leitor de qualquer idade. (SANDRONI, 1987, p. 168)


Passemos, então, à leitura e recepção do texto Sapato de salto (2006), de Lygia Bojunga Nunes.


3.2 Elementos estruturais da narrativa


O texto Sapato de salto (2006), narra a história de Sabrina, uma menina órfã que, antes de completar onze anos, portanto, ainda uma criança, trabalha como babá de duas crianças: Betinho de quatro anos e Marilda de três anos, além de sofrer com o assédio sexual do patrão e os maus tratos da patroa.
A narrativa se inicia com a chegada da personagem Sabrina à casa de Dona Matilde e Seu Gonçalves, que hostilmente a recebem como babá. Dona Matilde desde o início deixa bem claro que, apesar de ser muito pequena, a menina estava lá para trabalhar e não para brincar.
Assim, logo no início da obra, o leitor acompanha o seu encontro com a liberal Tia Inês e com Dona Gracinha, a doce avó, porém insana, pois a tristeza a fez assim. Pelos olhos da personagem, o leitor testemunha o assassinato da Tia Inês, como também a violência, o estupro e o constrangimento da prostituição infantil. A partir disso, Sabrina, encara o desafio e sobrevive; apesar de tudo, ela, literalmente, sobe no salto, ensina o receptor a dançar e continua caminhar em sua triste vida.
A partir dos fatos narrados, acompanhamos o relato vivenciado pela personagem; acontecimentos que refletem a realidade de uma infinidade de adolescentes como a infância vivida num orfanato. Nesse sentido, notamos as conseqüências do abandono para uma criança e avaliamos em que medida uma obra corresponde à realidade, seu conteúdo social, com base nos valores morais e o descaso da sociedade, as conseqüências da morte, o efeito que uma vida no orfanato produz sobre uma criança e a recepção do público leitor diante dos problemas enfrentados pela personagem.
As preocupações sociais, os conflitos sexuais, amorosos e familiares nos conduzem a analisar elementos tomados por base do real construindo uma narrativa dotada de uma linguagem própria e capaz de envolver o leitor em suas fantasias. Tendo em vista este aspecto, o mundo de Sabrina facilita a apropriação da realidade, sem romper com o estágio da fantasia, levando o leitor ao conhecimento da própria personalidade e o desenvolvimento de sua vivência social. A partir da leitura dessa obra será possível aguçar a curiosidade do leitor para histórias que representam a realidade de forma cada vez mais abrangente e profunda, sendo provável ampliar o universo cultural partindo das preferências do mesmo.
O clímax da história se estabelece com o assassinato da Tia Inês, fato que leva a personagem Sabrina à reflexão e, sem alternativa, em virtude da pouca idade, à prostituição. Diante desse quadro, pretendemos situar as conseqüências sociais e morais que assolou a personagem Sabrina com a morte da tia Inês. Com isso, essa obra vem mostrar de forma concreta temas que aproximam da vida social de crianças e adolescentes.
A narrativa assume, de forma extremamente sensível, as angústias e os problemas existenciais da infância envolvendo o leitor face a esses conflitos. Dessa forma, discute os comportamentos sociais, falsos e absurdos, dando possibilidade ao surgimento de novos conceitos que valorizam a verdade, a fantasia, o lúdico e os caminhos da liberdade, propiciadores do conhecimento de si mesmo e do mundo.
A obra em análise marca a personagem, não por tratar da morte vista pelo lado da infância, mas porque fecha as portas à esperança, condição necessária para sobreviver à confusão dos sentimentos da adolescência. Sapato de Salto, de Lygia Bojunga Nunes é, sem dúvida, uma obra que aguça a reflexão do leitor; embora os fatos relatados sejam fictícios procuram manter uma relação de verossimilhança com a realidade.
O desenvolvimento da narrativa não se dá sem conflitos, que se desdobram num crescente de dificuldades. O falecimento da tia Inês reconduz a personagem Sabrina à situação de abandono. O leitor acompanha a trajetória da personagem na busca dos fatos que provocaram a sorte tão lastimável da menina, obrigando-o a vivenciar os acontecimentos. Os conflitos situados ao longo do enredo despertam o interesse do leitor, que se solidariza com a personagem. Sabrina, ao sentir a responsabilidade de ter que sustentar a avó, faz confidências à Andréa Doria sobre os planos da tia Inês:


Já não havia mais desafio nem revolta no olhar da Sabrina. Na cara toda agora só tinha tristeza. Tanta! Que o olho começou a despejar lágrima e a voz foi saindo cada vez mais fraquinha: -- Ela dizia que ia me transformar na dançarina que a vó Gracinha queria que ela fosse e que ela nunca chegou a ser. Ela queria pra mim o que ela... o que ela... Ah, era tão bom todo dia lá com a tia Inês! Eu gostava tanto dela, era tão bom! Dançando... brincando com a vó Gracinha... tão bom que era... Na geladeira sempre tinha comida, era tão bom... A voz trancou; a boca se apertou pra não deixar sair soluço nenhum. (BOJUNGA, 2006, p. 170)


No que se refere ao foco narrativo, a obra Sapato de salto é narrada em terceira pessoa, o narrador comporta-se como se estivesse em todos os lugares e em todas as épocas, uma vez que conhece o sentimento interior de cada personagem.
A narrativa se estrutura em pequenos capítulos que ocorrem sem compromisso com a ordem cronológica; nos primeiros seis capítulos o narrador apresenta os personagens da história que se desenrola em torno da personagem principal, rompida com histórias paralelas sobre as personagens secundárias, acrescentando novos dados à narrativa principal e sempre ligados a ela.
Os capítulos apresentam em média vinte páginas, com exceção do capítulo sete, Lembranças (BOJUNGA, 2006, p. 82), onde a personagem central vive os melhores momentos ao lado da tia, da avó e de Andréa Doria. Neste capítulo, as lembranças de dona Gracinha e os relatos da tia Inês aproximam a menina dos acontecimentos não vivenciados por ela. Outro capítulo mais longo denominado Outra vez no banco do Largo da Sé (BOJUNGA, 2006, p. 149), apresenta cinqüenta e seis páginas e relata de uma forma mais detalhada as origens de Paloma e sua família.
Sendo assim, a organização estrutural da obra apresenta histórias paralelas, característica da autora que desenvolve suas narrativas em dois planos: o horizontal, em que os fatos são seqüenciais vividos por diversos personagens e o vertical, no qual a narrativa volta-se para problemas de cada um; essas histórias se adicionam à narrativa principal enriquecendo-a.
A narrativa pode ser dividida em quatro partes. A primeira consiste na chegada de Sabrina à casa do seu Gonçalves e a apresentação da família, descrita na primeira frase da história: “A família estava almoçando quando a Sabrina chegou” (BOJUNGA, 2006, p. 7)
Na seqüência, temos a visita da tia Inês à casa de dona Matilde, culminando com a saída de Sabrina para uma nova vida ao lado da tia e da avó. Logo em seguida, temos o assassinato da tia Inês e o início de uma vida difícil para Sabrina.
A partir do capítulo oito, o clímax se estabelece com a morte da tia Inês, causando uma reviravolta na vida da protagonista; Sabrina passa a enfrentar sozinha os problemas do dia-a-dia, a luta pela sobrevivência numa sociedade discriminatória. Ao encontrar Andréa Doria na beira do rio, Sabrina lhe dissera que a tia Inês tinha ido buscá-la para ser uma família, mas que agora não tinha mais a tia Inês, o que tinha era geladeira e botijão de gás vazio.
Inicia-se, então, uma vida prostituição, só lhe restava ser como a mãe: puta e dizia: “Sabia que eu sou puta? [...] Agora eu vou mesmo. Com qualquer um que pague. Agora eu sou puta. (BOJUNGA, 2006, p.168 -169). Já não havia mais revolta no olhar de Sabrina, em seu rosto só se via tristeza: “Ah, era tão bom todo dia lá com a tia Inês” eu gostava tanto dela, era tão bom! ... tão bom que era... Na geladeira sempre tinha comida.” (BOJUNGA, 2006, p. 170).
No capítulo treze se inicia a resolução para os conflitos, segurança e esperança para Sabrina. Paloma, ao conversar com Sabrina, percebeu a expressão de tristeza no rosto dela ao falar da tia, da saudade que sentia. A menina, em toda a sua inocência não se dava conta da realidade que vivia e dizia: “Minha mãe também virou puta pra não passar fome. Tô achando que esse negócio é de família”. (BOJUNGA, 2006, p. 216).
Diante desse quadro, Paloma questiona Sabrina:


Você já perguntou a você mesma se... se você... “ia ser puta”, feito você diz, caso sua tia não tivesse morrido? __ Não! Não! É ruim! Eu sou pequena aqui também. Dói quando entra, é ruim, não gosto. É ruim quando acaba também. [...] Eu gostava de estudar. (BOJUNGA, 2006, p. 219)


Por fim, diante desses aspectos, a personagem Paloma reverte esse quadro quando, para a menina, o seu destino parecia incerto. À personagem é conferida uma função social de relevância, em virtude da atitude altruísta ao optar pela adoção da menina, num momento em que a vida reservava um destino parecido com a situação inicial, ou seja, Sabrina retornaria ao lugar de onde viera, o orfanato, conforme se observa no fragmento abaixo:


[...] Paloma se demorava observando os três. Até que, lá pelas tantas, achou que tinha chegado o momento propício: contou pra Sabrina que pretendia adotar ela como filha e que, sendo assim, a Sabrina ia morar com eles. A princípio, nada no rosto de Sabrina se mexeu. Depois começou um movimento lento: a testa se franziu; o olho se estreitou; a boca se fechou devagar. [...] o movimento na cara de Sabrina se acelerou: a boca mastigou a broa depressa, e mais depressa ainda engoliu; a testa se desfranziu; o olho desatou a brilhar, correu pra Paloma, brilhou ainda mais; a boca se esticou, abrindo lugar pro riso; as lágrimas foram chegando, crescendo, transbordando. [...] Sabrina se levantou num pulo. Abraçou a Paloma; abraçou o Andrea Doria; abraçou a dona Gracinha; correu pro som; botou música; pé, braço, cabelo, corpo, tudo desatou a dançar, celebrando a nova estação de vida que ia começar. (BOJUNGA, 2006, p. 258 - 260)


A ação central e os conflitos giram em torno de Sabrina, personagem central da narrativa, que é ponto de referência para as alianças e confrontos entre as personagens. Com onze anos, jeito franco, pequena e com aparência de criança, risonha, viva, inteligente e trabalhadeira, a personagem é o foco de interesse da história e o discurso narrativo se organiza em função de suas ações e sentimentos.
A protagonista assemelha-se às personagens ícones da tradição literária, aquelas que nos comoveram, pois temos a impressão de terem realmente existido, numa dimensão que as tornam imortais e permanecem na mente do leitor sobre toda a sua existência.
Notamos que o destino da personagem é decidido sempre por ações representadas por terceiros como, Dono Matilde e Seu Gonçalves pela retirada do orfanato; tia Inês pelo reencontro; pela morte da tia Inês e por Paloma pela adoção, é ela quem sofre as conseqüências.
A personagem Sabrina representa uma infinidade de crianças que são abandonadas, rejeitadas e excluídas de sua própria sorte. São personagens cuja consistência aponta para movimentos da realidade. De um lado, isso é possível observar mediante as ações da personagem, suas concepções de criança, as atitudes quando babá, os interesses pelas brincadeiras infantis e, por outro lado, o modo como é tratada na residência, a responsabilidade que tinha em distrair as crianças, em lavar e passar as roupas, o preparo da mamadeira. Enfim, tarefas domésticas próprias para pessoas adultas, além da hostilidade de dona Matilde: “Posso chamar a senhora de tia? Nem tia, nem mãe, nem coisa nenhuma, que que é isso? Tá esquecendo que é babá das crianças? Ora, já se viu”. (BOJUNGA, 2006, p. 13)
Em virtude de a personagem ter sido criada em um orfanato, trazia consigo uma carência afetiva de família e, por isso, demonstrava boa vontade com o trabalho porque não gostaria de retornar ao orfanato. Sabrina tinha a inocência de haver encontrado uma família, sobretudo, um pai e se sentia lisonjeada pelos presentes que recebia e dizia: “Presente pra mim? Primeira vez que eu ganho. O senhor até ta parecendo meu pai. Deve ser bom ter um pai pra dar bala e sabonete ra gente”. (BOJUNGA, 2006, p. 14)
Em seus pensamentos se lembrava de uma colega que havia fugido do orfanato à procura do pai ou de um pai e não voltara, então concluiu: “[...] que não voltou porque, na certa, achou um pai. Que nem eu. E deu a flor de presente pro seu Gonçalves”. (BOJUNGA, 2006, p. 19)
A menina aceitou o jogo dos segredos proposto pelo seu Gonçalves sem se dar conta de que aquelas brincadeiras poderiam custar-lhe a perda da inocência. Com a esperança de ter se deparado com uma figura paternal, tomou coragem e pediu algo que há muito tempo queria: estudar. E dizia: “Lá no orfanato a gente estudava um pouco; o senhor quer continuar me ensinando? [...] Ah, eu não quero ficar burra”. (BOJUNGA, 2006, p. 16)
A evolução do assédio de seu Gonçalves por Sabrina acontece sem que ela perceba e, apesar de esperta, viva, inteligente, não percebe as suas verdadeiras intenções, pois ainda não havia experimentado a malícia dos adultos. Quanto às relações com a família, sente que não consegue fazer parte daquele núcleo; os maiores conflitos são com dona Matilde que a todo o momento a destrata e o leitor acaba conhecendo a imagem que a família possui da menina, a incompreensão e o desrespeito dos adultos pelos anseios infantis.
Em alguns momentos, Sabrina se debruçava no caderno e coloria os seus pensamentos, enxergava a vida colorida e imaginava: “[...] o segredo azul fraquinho, Betinho era um nome azul mais forte, mãe era mais pra amarelo, saudade era bem cor-de-rosa e se tinha um tempinho livre, sentava e fazia um desenho”. (BOJUNGA, 2006, p.18)
Por fim, o que seu Gonçalves denominou “Esse vai ser o nosso maior segredo [...]” (BOJUNGA, 2006, p. 20), acontecera ainda no primeiro capítulo. Seu Gonçalves entrou no quarto da menina e se instalou na cama do jeito de quem estava inventando uma nova brincadeira e quando Sabrina tentou reagir, ele tapou o grito com um beijo.


Sabrina sentiu o coração disparando. O bigode desceu pro pescoço. [...] Ele tirou do caminho lençol, camisola, calcinha. De dentro da risada saiu uma súplica: Que que há, seu Gonçalves? Não faz isso, pelo amor de Deus! O senhor é que nem meu pai. Pai não faz assim com a gente. [...] Não faz isso! Por favor! Não faz isso! Tremia, suava. Não faz isso! Fez”. (BOJUNGA, 2006, p. 20)


Decididamente, estava consolidado o estupro, a agressão, a violação aos direitos da criança, o descumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. Sabrina ficou parada olhando a maçaneta da porta por onde aquele que imaginava ser um pai saíra. Enfim, sem planos de uma vida melhor e sem escolha, decidira ficar, pois “apesar de tudo, era mais fácil ficar” (BOJUNGA, 2006, p. 21). Sem dúvida, o grande segredo dos dois passou a botar sombra nos dia da menina, que não via mais a vida colorida; foi se esquecendo de pensar que cor era isso e aquilo e nunca mais desenhou.
Fica evidente que o estupro deixou marcas na personagem e o leitor, diante da cena narrada, se solidariza com a personagem como se pudesse alterar o desfecho, de forma a questionar o mundo em que vivemos.
Desde então, os segredos foram aumentando e os presentes do seu Gonçalves para Sabrina foram aos poucos se transformando, do chocolate à calcinha de renda e, resultando enfim, no dinheiro, o chamariz da prostituição. E quando o visitante noturno esquecia de lhe pagar, Sabrina logo o lembrava: Ei! E o dinheirinho?” (BOJUNGA, 2006, p. 26). Diante desse fato, percebemos que a criança raciocina de forma diferente do adulto, como também sua maneira de construir e perceber a realidade difere radicalmente da visão adulta; Sabrina recria a realidade e age de forma psicologicamente compensatória.
Sabrina é um ser fictício que se refere à realidade social e aos múltiplos discursos existentes sobre essa realidade. Revela, ainda, os olhos de uma sociedade relapsa e insensível, fixados em seu interior. A personagem passa a ser repreendida e explorada cada vez mais por dona Matilde, que havia tomado conhecimento das visitas noturnas do marido ao quarto da menina.
Se de um lado, a menina era explorada pelo casal, de outro lado, surge, na porta, a tia Inês, uma mulher de trinta e poucos anos, cabelo ruivo, encaracolado e farto, algumas mechas louras, olho verde-amarelado, brincos de argola, lábios grossos ressaltados pelo batom vermelho, unhas pintadas e calçada num sapato de salto alto.
A esperança, num misto de fascínio e espanto reluziu nos olhos de Sabrina com a possibilidade de ter uma tia e uma avó. Sabrina deixou a casa de dona Matilde sem ao menos se despedir das crianças, apenas com a despedida calorosa em forma de tapa. Quando a menina chegou perto para dar um beijo de despedida, para o espanto da tia Inês, recebeu uma bofetada na cara, conforme descreve o fragmento abaixo:


Na saída a Sabrina foi ralentando o passo na esperança de ainda ver as crianças. Mas a dona Matilde abriu a porta pra ela sair de uma vez. Sem saber direito o que dizer, a Sabrina falou: __ Desculpe qualquer coisa, viu? Dona Matilde ficou olhando pra ela. __ Lembranças pra Marilda, pro Betinho e pro seu Gonçalves. Dona Matilde ainda olhando. Quando a Sabrina chegou mais perto pra dar um beijo de despedida, recebeu uma bofetada na cara: __ É pra você não se esquecer que eu não vou me esquecer. __ E bateu a porta com a mesma força da bofetada. (BOJUNGA, 2006, p. 36)


Com os olhos cheios de lágrimas e a boca de sangue, a menina deixa a casa que fora o seu primeiro lar, na esperança de uma nova vida. Sabrina sente o carinho da tia Inês diante daquele fato, pela primeira vez alguém se importava com ela e com os seus sentimentos:


O que deu nessa bruxa?! [...] Bater numa criança desse jeito! __ É costume, vam´bora. [...] Deixa eu ver teus dentes! Assim, assim feito a gente vê de cavalo. Isso. Hmm. Não, não ta faltando nada não filhinha, você te de boca inteira. Só a gengiva machucada. Pera aí, deixa ver se eu tenho um lenço limpinho. Procurou dentro da bolsa e tirou um lencinho de renda. Mas a mão amoleceu, despencou: o olho da Sabrina estava cheio de lágrimas [...] Tá doendo filhinha? Sabrina fez que não (BOJUNGA, 2006, p. 37-38)


Agora, Sabrina tinha uma tia, que até a chamava de filhinha e tinha também uma avó. A tia Inês havia morado no Rio de Janeiro antes de se mudar para o interior. Para o leitor, fica claro que Inês ganhava a vida se prostituindo, além de fazer uso de drogas. Quando decidiu reconstituir a família, retirou a mãe de um asilo para doentes mentais e saiu à procura da sobrinha. Disposta a recomeçar uma nova vida, com a mãe e a sobrinha e dar aulas de dança, forma uma família feliz, quando, aparece, então, o assassino e a mata diante da sobrinha e da avó. A partir desse momento, a vida para Sabrina era incerta, restaram uma criança e uma avó insana. A única certeza que tinha era de que jamais voltaria para o orfanato:


Fiquei dez anos na Casa do Menor Abandonado. E agora ´cês tão querendo que eu volte, não é? Mas eu não volto, não! Prefiro fazer que nem a minha mãe fez. – Espichou o queixo pro rio. – E tem mais: levo a vó Gracinha comigo. – Levantou um dedo ameaçador: -- E tem mais ainda: não quero mais ouvir falar da minha vó do jeito que falam. Ela é a minha família. E agora vou ter dinheiro pra comprar o que ela precisa. E tem mais! Não baixo o preço. Trinta reais. Daí pra cima. E tem mais! Pagamento adiantado. (BOJUNGA, 2006, p. 175)


A narrativa nos mostra, ainda, momentos de um garoto, Andréa Doria, em luta contra seus medos agravados pela incompreensão do pai, que vivia sempre em conflito com a mãe, devido ao homossexualismo aflorado no personagem. O personagem recebera esse nome, porque sua mãe Paloma o vira escrito em um navio.
Após uma árdua pesquisa quanto à origem do nome do personagem, constatamos que, de fato, Andrea Doria foi um dos mais luxuosos navios transatlânticos italiano, construído, com acomodações para 1.241 passageiros e 575 tripulantes. Lançado ao mar em 1951, levava o nome do Príncipe e Almirante italiano do século XVI. Às 23h10min do dia 25 de Julho de 1956, quando navegava de Gênova para Nova York, o transatlântico foi atingido a estibordo pela proa da embarcação sueca Stockholm. O impacto foi tremendo e o golpe recebido foi mortal, A bordo do navio havia 1.705 pessoas e levou cerca de 10 horas para afundar, foram salvas 1659 pessoas. A grande maioria das mortes ocorreu no impacto inicial.
A personagem Paloma havia conhecido, na sua juventude, no porto de Gênova, o famoso navio e, quando o viu, se encantou não sabia se pelo nome escrito no casco ou se pela beleza do transatlântico. Sabia que, aquele nome ficou repetindo na sua mente e mesmo sem nunca ter visto ou ouvido aquele nome antes, ela pensara que se um dia tivesse um filho ele se chamaria Andréa Doria. E nem por um momento lhe ocorreu que alguém pudesse achar que era um nome de mulher. No entanto, Rodolfo, o pai do menino, sempre a culpou por ter dado ao filho um nome feminino e a culpava pelo fato de ser homossexual. O personagem é incompreendido pelo pai ao se definir como dançarino.
O personagem de treze anos havia, já no primeiro encontro, despertado um sentimento novo em Sabrina. Quanto mais ela olhava para o menino, mais tomada ia ficando pela vontade de continuar olhando, pois nunca tinha visto um outro alguém que ela gostasse assim de olhar. Sentiu curiosidade em saber tudo sobre ele, onde morava e com quem, enfim, tudo sobre sua vida.
Andréa Doria sonhava em ser dançarino; decidiu dizer isso a seu pai Rodolfo que não respeitava as opções do filho e reagiu muito mal, dizendo que ele deveria era jogar futebol:


Pai, é o seguinte, você vai ter que aceitar, essa minha coisa é muito forte: eu tenho que dançar, eu quero dançar! Eu sei que ainda é cedo pra eu sair daqui da cidade e ir pr´um centro grande, pr´um lugar que tenha curso [...] Assim não dá pra conversar com você, mal eu começo a contar um troço e você já vem com esse negócio de que eu tenho mais é que jogar futebol; quantas vezes eu preciso te dizer que eu não gosto de me esfalfar atrás d´uma bola, eu gosto é de dançar”! (BOJUNGA, 2006, p. 59-60)


Se, por um lado, o pai não aceitava as preferências do filho, por outro lado, Paloma, a mãe, acompanhava a situação e discordava do marido:


Bom, o Andréa Doria, desde pequenino, gosta de dançar [...] — ... e, à medida que ele foi crescendo e esse gosto aumentando, mais foi aumentando também o conflito com o Rodolfo, que cismou porque cismou que o menino, em vez de dançar, tem que fazer esporte, tem que jogar futebol. – Na certa ele acha que chutar bola vai curar a delicadeza dos gestos e do andar do Andréa... (BOJUNGA, 2006, p. 75-76)


Quanto à avó de Sabrina era mesmo uma gracinha e após a chegada na casa da tia Inês, aos poucos, Sabrina foi conhecendo-a melhor. Era tratada por tia Inês como dona Gracinha e a primeira imagem que a menina teve foi vê-la na frente do varal estendendo roupa. Aliás, os movimentos da avó reproduziam a seqüência de apanhar roupa numa bacia imaginária que estava no chão, sacudi-la no tempo, estender o braço para uma sacola de plástico pendurada e pegar prendedor, prender a roupa no arame, se abaixar de novo. Porém, não havia bacia, roupa, pregador, nem arame algum, tudo fazia parte de seu mundo de imaginação. Aos olhos da menina, a avó literalmente era uma gracinha, mais baixa que alta, gorducha, cabelos brancos e de aspecto alegre.
Diante dos devaneios da avó, Sabrina foi percebendo que dona Gracinha se referia constantemente a sua mãe, Maristela e que o mundo da avó era de faz-de-conta. O varal, para dona Gracinha, significava aquilo que não existia mais e o ato de pendurar representava as lembranças daquilo que se fora. Às vezes, se lembrava em voz alta de cenas e episódios desencadeados do passado que não fazia nenhum sentido para a neta, mas que escutava com a maior atenção mesmo sem compreender, pois sabia que se referia ao seu passado; episódios que a tia Inês tentava esclarecer:


[...] daquele dia em diante ela ficou pancada de vez. E depois começou com essa piração de pendurar lembrança em varal. [...] Só sei que o meu pai largou nós três: a dona Gracinha, a Maristela e eu. [...] Você não tem a idéia do que ela se esfalfou para nos dar casa, comida e educação: ela queria porque queria que a gente aprendesse [...]. O choque deixou a dona Gracinha pregada no chão. Ela olhava da pedra pro grupo que tinha chegado: dois homens na frente, uma moça atrás. A Maristela, tão linda nos seus quinze anos! Tinha, afinal, aparecido outra vez, mas o corpo... (BOJUNGA, 2006, p. 87e 92)


E assim, a personagem tomou conhecimento de sua história, uma vez que a avó conseguia recordar fragmentos do passado e descrevia para a neta, dizendo que um homem havia lhe entregue uma pedra de presente e que o corpo da sua filha Maristela tinha sido encontrado no fundo do rio amarrado a ela. Dona Gracinha, após o sumiço do marido teve uma vida muito difícil, sozinha e com duas filhas para educar, ainda enfrentar a gravidez de Maristela aos quinze anos.
Maristela, a mãe de Sabrina era linda aos quinze anos, tinha cabelo castanho claro, liso feito cetim, suave e tímida, humilde e submissa, assim dona Gracinha a descrevera. Maristela estava no sexto mês de gestação quando a mãe havia descoberto, engravidara do namorado que não quisera assumir a criança. Diante da notícia, dona Gracinha, inconformada não soubera dar a devida compreensão e apoio à filha e blasfemava: “Foi isso que Deus mandou, que a Igreja te ensinou? Foi isso que tu aprendeu na escola?”(BOJUNGA, 2006, p. 97). Quanto mais o desespero ia ganhando forma na fisionomia da dona Gracinha, mais o choro ia lavando o rosto da filha. Depois disso, dona Gracinha nunca mais a viu e o arrependimento a consumiu até perder a sanidade.
Maristela desapareceu e a última notícia que enviou à mãe a criança já estava para nascer. Algum tempo depois, a tia Inês soube que a menina tinha sido deixada na Casa do Menor Abandonado.
Lygia, ao construir a personagem a faz de forma real, e o leitor ao se aproximar do mundo ficcional organizado pela autora, desenvolve sua capacidade mental de conhecer e imaginar a realidade que o cerca.
No que se refere ao espaço da história, constatamos que a narrativa se passa em um ambiente urbano e além do lugar onde se desenrola a ação, o ambiente é marcado por características e valores sociais de cada personagem. O ambiente reproduz uma atmosfera psicológica vivida pelas personagens. Sendo assim, quando Sabrina está feliz, essa felicidade se extravasa no ambiente; isso se comprova diante das angústias vividas na casa do seu Gonçalves, revelado por um ambiente triste.
Já, ao lado da tia Inês, o espaço pela qual circulam as personagens revela um ambiente feliz, reproduzido na dança e no afeto. O leitor também concebe no seu imaginário um “espaço real”, as palavras provocam uma construção real dos espaços descritos. Isso ocorre por meio da descrição feita pelo narrador dos objetos, dos móveis, do lugar, pela representação dos personagens em seus gestos e expressões faciais.


Pela primeira vez na vida Sabrina experimentava o gosto que a liberdade tem e, aaah! Era bom demais. Enfim tomava consciência de que a vida também podia ser uma festa, e de que ser feliz era tão bom”! (p. 100 -101). [...] – A tua mãe saiu de casa quando já fazia seis meses que tava prenha de você. O cara era casado, não tava nem aí pra ela. (BOJUNGA, 2006, p. 106)


A estrutura social da cidade é um tanto conservadora, isso se confirma por meio da personagem dona Estefânia, mencionada por Sabrina como “a coroa ali da esquina” (BOJUNGA, 2006, p. 226). A atitude de Dona Estefânia ao procurar Paloma se refere aos últimos acontecimentos ocorridos na casa amarela como uma situação moralmente inaceitável para uma cidade pequena. Isso também se confirma durante a conversa entre Paloma e seu irmão Leonardo:


Mas, me diz, e essa tal de Inês? – Bom, isso é uma história meio misteriosa e meio engraçada. A mulher apareceu aqui na cidade não faz muito tempo. Deve regular de idade com a gente. Um mulheraço! Veio do Rio; morava lá; e veio com a mãe; vivem juntas. Mas não é casa de porta aberta, não. Corre aí um boato que, no Rio, ela era prostituta assumida, mas aqui, dizem, ela recebe é pra dançar. (BOJUNGA, 2006, p. 76)


Ainda, em relação ao espaço, verificamos que os lugares mencionados foram a cidade do Rio de Janeiro e o Largo da Sé, local que é citado supõe-se ser a cidade de São Paulo onde se desenrola a narrativa: “Rodolfo marchava decidido; apontava o relógio da Sé [...].” (BOJUNGA, 2006, p. 195); ”[...] Joel e Andréa Doria se cruzaram no Largo da Sé. Pararam pra bater papo”. (BOJUNGA, 2006, p. 155).
Isso também se comprova durante o diálogo entre Andréa Doria e o tio Leonardo: “-- Você gosta mesmo de São Paulo? – Agora gosto. Saí do Rio com tristeza, sou louco por mar, você sabe, e no Rio eu vivia pertinho dele. (BOJUNGA, 2006, p. 187).
Além disso, acredita-se que a história tenha se passado antes da cidade se transformar na grande metrópole. Isso se observa durante os diálogos do personagem Andréa Doria e Joel ao se referirem à pescaria, “à beira do rio, depois da curva de onde não se avista mais a cidade; onde mataria e capinzal se aproximam das margens.” (BOJUNGA, 2006, p. 156). Também, no momento em que o personagem Leonardo, irmão de Paloma se encontrava sentado contemplando a estrutura arquitetônica do largo da Sé e das casas em volta: “Ficou de tal maneira absorvido, que nem percebera que os lampiões do largo tinham se acendido”. (BOJUNGA, 2006, p. 179). Esse dado permite concluir que a São Paulo moderna não possui lampiões que se acendem à noite.
Alguns espaços fechados são mencionados como, as casas do seu Gonçalves, de dona Gracinha e de Paloma. Em relação a casa onde residiam a menina, tia Inês e dona Gracinha, representava um ambiente alegre “Tudo amarelo! Amarelo bem forte”! (BOJUNGA, 2006, p. 45). A casa era de beira de calçada, porta e duas janelas pintadas de amarelo refletindo um ambiente aconchegante que Sabrina observava com detalhes: a mesa de refeições rodeada de cadeiras, num canto, uma poltrona vermelha e um sofá azul.
Sabrina se sentiu encantada com tudo aquilo, apreciava todos os pormenores e para ela tudo era um mundo distante da sua realidade, como mostra o fragmento a seguir:


Sabrina se sentiu logo atraída pelo quintal: meio bagunçado, muito ensolarado, todo enfeitado de mangueira, bananeira, pé de chuchu e pimenta, taioba nascendo de um lado, limoeiro dando limão de outro, uma rede pendurada entre o tronco da mangueira e o muro da vizinha, e dois bambus secos enterrados no chão, separados de uns dois metros, fazendo de varal. (BOJUNGA, 2006, p. 46)


Em relação ao tempo, para o escritor Benjamin Abdala Junior, o momento interfere na organização da história, pelo próprio contexto histórico e pela presença dos valores da época. O leitor concebe uma recepção de forma diferente ao se deparar com uma obra de épocas anteriormente escritas e uma obra atual. Um texto romântico dirige-se ao leitor de forma diferente de um texto atual, assim as expectativas desses leitores diferem entre si.
Na obra em análise, verificamos que a personagem Sabrina inicia a história com onze anos, idade revelada quando a personagem deixa o orfanato: “Que idade você tem menina? – Vou fazer onze”. (BOJUNGA, 2006, p. 7); é a mesma idade que revela à Paloma no capítulo doze, Conversa de mulher para mulher: “— Que idade você tem? -- Já vou fazer onze”. (BOJUNGA, 2006, p. 214).
Nesse sentido, não é mencionado nenhum aniversário da personagem durante a história, portanto, deduz-se que a narrativa tenha se passado durante alguns meses, fato que se comprova com a gravidez de Paloma, quando revela ao irmão, no capítulo seis, que havia engravidado: “Eu me senti tão feliz de ter, afinal, concebido a minha Betina”! (BOJUNGA, 2006, p. 80); no capítulo nove, já havia dado à luz, porém a criança morrera após uma explosão no hospital: “Quando o Dr. Rui voltou correndo a Betina já havia morrido”. (BOJUNGA, 2006, p. 147).
Há o tempo psicológico que acompanha o temporal, como também há fatos que antecedem o nascimento de Sabrina e a sua vinda à casa de dona Matilde. Existe um distanciamento temporal dos fatos como os acontecimentos que ocorrem em outra época; há uma interação entre os dois tempos, pelas lembranças de dona Gracinha:


Maristela, tão bonita que ela era, de cabelo castanho claro, liso feito o cetim, de olho tão acompanhando a cor do cabelo, quinze anos! Quinze anos! Recém se preparando pra vida; e aquela risada gostosa que ela tinha; e aquela mão generosa sempre pronta pra uma carícia; e aqueles seios crescendo pra alimentar a criança que ia nascer; quinze anos, gente, quinze anos! E nada mais dela sobrando; só uma pedra e nada mais? (BOJUNGA, 2006. p. 92)


No fragmento transcrito a seguir, há uma retrospectiva imaginária caracterizada pela fala da tia Inês quando Sabrina pede à tia que fale sobre sua mãe:

Sabrina pensava na mãe. Na primeira vez a tia Inês desconversou; na segunda fingiu que não escutou; na terceira não gostou [...] (p. 100). – A tua mãe saiu de casa quando já fazia seis meses que tava prenha de você. O cara era casado, não tava nem aí pra ela”. (BOJUNGA, 2006, p. 106)


Dessa forma, uma personagem pode concentrar em poucos segundos, boa parte dos acontecimentos essenciais de sua vida, por meio de flasback. O tempo discorre para o leitor de forma linear e à medida que se lê a obra, esse tempo transcorre e o envolvimento faz com que o mesmo espere pelos fatos e acontecimentos futuros.
O capítulo que antecede o final da obra, ou seja, no penúltimo capítulo, Lygia após as resoluções tomadas e a sensação de alívio que proporcionou aos personagens, recorre ao leitor, num chamado momento de sossego, que denominou: Pra você que me lê (BOJUNGA, 2006, p. 251), uma característica de suas obras.
Nesse espaço, a autora relata a forma como criou cada personagem, a convivência com eles por três anos, os momentos de isolamento que impulsionaram a escrita, o seu alívio pelo desfecho da história e o seu envolvimento com todo esse pessoal da história. Por fim, a autora buscou na expressão fisionômica de cada personagem muito mais do que diálogos: foram momentos de extrema dedicação.
A autora, a partir de seu olhar particular e a sua maneira de enxergar o mundo, imbuída de toda a complexidade dos seres que o habitam, cria a sua personagem com características físicas e psicológicas numa articulação verbal que nos permite visualizá-la e acompanhá-la no decorrer da narrativa.
Esse envolvimento com a personagem, muitas vezes, produz no leitor uma empatia, principalmente, devido ao estudo da figura infantil, enquanto ser humano, sobretudo, ao lidar com as dificuldades de seu crescimento em relação ao mundo. A personagem é construída com palavras e por meio delas o leitor toma conhecimento e decifra a sua existência. Isso permite criar imagens e construir o seu personagem que o acompanhará durante a história, mas que permanecerá em seu imaginário.
Em vista disso, surge uma obra que é a expressão viva de acontecimentos que abre novas possibilidades de um limitado setor da sociedade. A relação entre crianças e adultos aparece ainda de forma positiva em alguns momentos, o sentimento amoroso entre Sabrina e a tia Inês, entre a menina e Paloma ocasionaram momentos marcados por alegrias e tristezas. Faz-se necessário enfatizar que, Sapato de Salto poderá ser o ponto de partida para o leitor adulto absorver, por um lado, um universo de fantasia e encanto, por outro lado, agressividade e violência.


3.3 A linguagem de Lygia Bojunga Nunes


A linguagem da autora busca uma aproximação ao tom coloquial da língua e com o leitor em formação. A autora utiliza esse registro informal nos discursos direto, indireto e na fala do narrador. Esse recurso utilizado descobre múltiplos usos da língua e instaura um espaço de liberdade e subversão que é o texto literário.
No plano da estrutura, Lygia desenvolveu em Sapato de salto uma linguagem própria, com toda a sua capacidade de criação, de tal modo, que sua leitura exerce uma atração poderosa sobre o leitor. Nessa perspectiva, observando as falas do narrador e dos personagens, constatamos uma celebração constante de termos acessíveis ao gosto do leitor; eis alguns exemplos dos procedimentos lingüísticos utilizados pela autora:
O pronome você é substituído por ´cê: “Quantos anos ´cê tem?”; [...] por que ´cê tá chorando [...]; “É aqui que ´cê dança?”. (BOJUNGA, 2006, p. 46); “Gente, ´cês ainda tão aí no varal”? (BOJUNGA, 2006, p. 86)
O verbo estar, na forma está, sofre aférese (tá), fenômeno morfológico comum na língua falada: “Tá me mandando embora?” (BOJUNGA, 2006, p. 132); “Tá achando que ele vai trocar o Joel por ela?” (BOJUNGA, 2006, p. 244). “Tô achando que vai ser bom pra ele ter uma irmã feito ela” (BOJUNGA, 2006, p. 244). A preposição para sofre aglutinação e combina-se com o artigo definido e indefinido: “[...] impulsionou o corpo pro degrau de cima pra ficar lado a lado com a Sabrina” (BOJUNGA, 2006, p. 53); “Perguntei pr´um médico [...]” (BOJUNGA, 2006, p. 53); “Pra que uma cidadinha dessas quer um espigão”? (BOJUNGA, 2006, p. 149); “Só que pra manejar o resto, eu tive sempre que consultar você pra tudo”. (BOJUNGA, 2006, p. 245)
Quanto ao emprego de pronomes, nota-se a substituição sistemática da primeira pessoa do plural pela expressão coloquial a gente: “Pra gente se ver dançando, é bom” (BOJUNGA, 2006, p. 46); “[...] a gente vai brincar de quê”? (BOJUNGA, 2006, p. 50). “Se você vai indo pra longe a gente avisa [...]”.(BOJUNGA, 2006, p. 51); “Desde que a gente ficou... que a gente estudasse, que a gente aprendesse". (BOJUNGA, 2006, p. 87)
No uso de elementos relacionais da língua, preposição e conjunção, explora o aproveitamento dos torneios da língua falada. É o caso de que nem e feito, equivalente a como, funcionamento no papel de conjunção subordinada comparativa: Que nem a minha mãe”? (BOJUNGA, 2006, p. 168); “Assim que nem eu”. (BOJUNGA, 2006, p. 168); ”Feito coisa que a dona Gracinha era pau-d´água”. (BOJUNGA, 2006, p. 48); “A pedra não sai da cabeça dela, então ela vai e pendura a pedra, feito ela tava todo dia pendurando roupa no varal pra secar”. (BOJUNGA, 2006, p. 54)
O uso dos diminutivosinhosão produzidas na forma de tom afetivo da linguagem: “limpinho, fraquinho, instantinho, filhinha, tamanhinho, assinzinha, bonitinha, risinho, tchauzinho, Gracinha, Inesinha, covinha”, entre outros, observados nas orações que se seguem: “O segredo é azul fraquinho”. (BOJUNGA, 2006, p. 18); “Sabrina corria, num instantinho voltava [...]”.(BOJUNGA, 2006, p. 12); “__ Disseram que eu era desse tamanhinho. [...] __ Você me conheceu assinzinha? [...] __ Não pensei que você fosse tão bonitinha”. (BOJUNGA, 2006, p. 40); “__ Então ta. Tchauzinho”. (BOJUNGA, 2006, p. 44)
Somando-se a isso, o verbo colocar é substituído por botar em algumas expressões: “Vou botar no pé dela sapato de pulseirinha.” (BOJUNGA, 2006, p. 50); “A lua cheia resplandecia, botando mais luz no Largo da Sé”. (BOJUNGA, 2006, p. 63). ”Pode botar o som tia Inês”? (BOJUNGA, 2006, p. 82)
E uma série de expressões coloquiais como, tadinha, espelunca, vam´bora, peraí, ué, trololó, eu não tô nem aí, cadê, deprê, caramba, entre outras.
Assim, muitos outros fatos lingüísticos encontram-se na obra Sapato de salto. Os exemplos citados evidenciam a variedade dos múltiplos recursos expressivos da autora, que não se prende a nenhuma convenção. Lygia, por meio da linguagem, mostra a arte recriada no universo verbal, no qual a criança poderá estar em contato com a riqueza da sua própria língua.
Em vista disso, a autora aproxima o leitor à sua obra, todas as idéias são transmitidas de forma adequada sem negar-lhe literariedade e num nível possível de ser compreendido pelo leitor, seja infantil ou não. A inovação lingüística da obra de Lygia abre espaços à imaginação criadora, conduz à prática de uma escrita que vem consumir e aniquilar as convenções, normas e valores sócio-culturais da literatura.
Por fim, a linguagem presente no texto corresponde ao domínio lingüístico do receptor e permite-lhe que, por meio da literatura, possa ter uma visão clara dos comportamentos sociais e inicie um caminhar que vai da fantasia ao campo da lógica.



CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em Sapato de salto (2006), a autora aborda diferentes temas e permite aos leitores, de forma geral, uma visão mais ampla e profunda da sociedade. Ressalta a idéia do preconceito, homossexualismo, prostituição infantil, abandono e sexualidade na adolescência, que são retomadas no percurso da história, por Rodolfo, pai de Andréa Doria: “[...] E que você me participe, com a maior cara-de-pau, que vai trazer pra dentro da minha casa uma menina que a cidade toda já ta sabendo que trepa com qualquer um”? (BOJUNGA, 2006, p. 242). A obra tematiza, ainda, o auge do desrespeito aos direitos da criança ao privá-la do direito à educação e do convívio familiar.
A grande força da literatura está em sua capacidade de inquietar o leitor com questionamentos e, por meio de leituras desafiadoras, ampliar o horizonte de conhecimentos. A leitura do texto em questão é direcionada tanto ao público infantil quanto ao adulto, pois desafia o leitor, mexe com as convicções e alarga os horizontes ao apresentar fatos que oferecem ao leitor diversidade temática, que focalizam relações familiares, desnudam conflitos sociais e psicológicos e fazem mergulhar no interior do ser humano, revelando as injustiças do cotidiano.
Por essas razões, empreendemos nosso olhar sobre a obra diante do contexto social que tematiza comportamentos de dominação pela idéia de violência a exemplo da manifestação de superioridade e abuso, como de seu Gonçalves, do preconceito de Rodolfo pela orientação sexual de Andréa Doria e pela adoção de Sabrina aos onze anos de idade: “(...) querer perfilhar uma criança que já tem onze anos! (...) nessa idade, uma criança já foi marcada pelo ambiente em que viveu.” (BOJUNGA, 2006, p. 241), da submissão de Paloma perante à autoridade do marido, à cena do assassinato da tia Inês diante dos olhos de Sabrina e, sobretudo, a prostituição da menina para o sustento da casa. O fio condutor que desencadeou a maioria dos conflitos de Sabrina, a gravidez de Maristela, na adolescência, reflete algumas conseqüências como, o suicídio e o abandono.
Sem dúvida, a ausência de uma estrutura familiar culmina com a falta da figura paterna, como na casa de dona Gracinha, que, abandonada pelo marido, enfrenta as dificuldades financeiras. A família de Paloma, apesar de bem estruturada, é marcada pelo autoritarismo de Rodolfo. Contudo, para Sabrina, pai significava uma referência, sinônimo de segurança, sentimento que despertou na menina quando chegou à casa do seu Gonçalves. A figura paterna representa para a sociedade, uma hierarquia familiar, posição de chefe de família.
A obra permite refletir em que medida a arte é expressão da sociedade, ou seja, em que medida a arte corresponde à realidade e descreve os modos de vida. Lygia Bojunga Nunes verifica como se processam esses problemas para o jovem leitor e aponta para a importância do desenvolvimento familiar harmônico do indivíduo.
É dentro desse espírito que Lygia, ao aproximar fantasia com dados do real, trabalha criticamente esses aspectos da vida, possibilitando uma postura consciente e reflexiva. A literatura infanto-juvenil brasileira adquire com essa obra consciência da sua realidade, ao focalizar infelicidades cotidianas e aspectos sociais que envolvem responsabilidade social diante de problemas que desafiam a dignidade de seres inocentes e puros como a ingênua e alegre Sabrina.
Dessa forma, a pesquisa realizada em nosso trabalho busca um estudo teórico e prático com o objetivo de promover a produção intelectual na área da recepção e a discussão sobre a formação do leitor. Além disso, o trabalho realizado poderá incentivar o acesso à leitura desses textos no ambiente escolar, além de colaborar, como referência bibliográfica, a todos aqueles que se ocupam da leitura e recepção de textos literários.
 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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Um comentário:

  1. Muito bom o trabalho. Também estudo Bojunga e o texto me foi de grande ajuda. Parabéns!!!

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