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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Resenha: “O que ler em bom Português”

Por: Selma Cristina Freitas Pupim

A obra “Estrangeirismos” foi organizada por Carlos Alberto Faraco[1] a partir do Projeto de Lei 1676/99, de autoria do deputado federal Aldo Rebelo[2].  O livro é composto por 189 páginas e conta com a colaboração de nove lingüistas que procuram demonstrar com uma linguagem acessível, o quanto o citado PL[3] se distancia dos limites da lingüística   e torna-se apenas um discurso enganador.
 Como sabemos, a polêmica acerca do abuso do estrangeirismo na língua portuguesa parece estar muito longe de um final, aliás não são de hoje as discussões em torno do chamado “estrangeirismo”. Há mais de um século, o médico Castro Lopes já fazia grande alarde na imprensa ao defender a substituição de palavras e expressões francesas, utilizadas com exagero na época, por neologismos de base latina erudita. A atitude do médico mereceu, na época, críticas de Machado de Assis. “... felizmente, as invencionices lexicais de Castro Lopes só sobreviveram como motivo de piada”, escreve Faraco.
Na verdade, o projeto do deputado pretende coibir o abuso no uso destas expressões, principalmente quanto à linguagem utilizada pela imprensa e publicidade, segundo Francisco S. Borba[4].  Todavia, convém lembrar que a linguagem de propaganda criticada pelo deputado e adeptos ao projeto, vista principalmente nas grandes cidades, shoppings, não pretende excluir ninguém, mas abranger o maior número de pessoas. No entanto, multar um lojista que utilizar estrangeirismos em suas vitrines ou fachadas, seria mais ou menos como cobrar uma multa de pagodeiros a cada erro de gramática que cometem.
 De acordo com o organizador do livro, esse Projeto de Lei foi um equívoco, pois propunha “a promoção, proteção, defesa e o uso da língua portuguesa”, pautado em uma inofensiva política lingüística que objetivava punir o uso de estrangeirismos no léxico da língua portuguesa em uso no Brasil.
         Para o autor, a língua é algo vivo, que precisa respirar; ela muda “nem para o bem nem para o mal”, mas para atender às necessidades dos seus usuários. Sabe-se que, em contato com outras culturas, as línguas se enriquecem e se fortalecem, logo, não têm vida própria, não são independentes, e é assim que sobrevivem, mudando continuamente.
As transformações sofridas pela língua portuguesa, provam a sua força, pois as línguas que não inovaram acabaram sendo substituídas por outras. Com o tempo, a palavra “veste a roupagem do idioma”, ou seja, a própria língua absorve tais palavras e muitas delas desaparecem.
         Como sugere Faraco, o organizador deste livro, “é preciso deixar bem claro para o país e para o Congresso Nacional que a única coisa que se pode resolver por decreto é a ortografia. Dinamismo das culturas não se faz por decreto”, acentua.
Para o deputado Aldo Rebelo, a língua portuguesa no Brasil é um sistema homogêneo, compreendida por qualquer cidadão em qualquer lugar do território brasileiro.
Convém lembrar que, não há línguas estáticas ou mesmo imutáveis, na visão de J. L. Fiorin[5]; se assim fosse ainda estaríamos falando latim. Todas as línguas apresentam variações; acreditar que no Brasil todos falam e se compreendem mutuamente em qualquer lugar do país é, no mínimo, utopia ou ignorância pura dos aspectos lingüísticos das variações regionais.
Nesse sentido, J. L. Fiorin, um dos colaboradores da obra, faz uma análise do PL sob o ponto de vista lingüístico – e nesse ponto estabelece que uma política lingüística deve começar com a identificação de um problema, “que não é de natureza lingüística mas de ordem política, econômica ou cultural”. No caso do PL,o problema lingüístico é a dificuldade de comunicação que terão “os nossos homens simples do campo” diante do uso excessivo e desnecessário de expressões estrangeiras, fato que, é rapidamente aniquilado, pois “qualquer pessoa é capaz de aprender qualquer setor do vocabulário, se ele tiver algum sentido para ela”, ou seja, basta que o estrangeirismo faça (ou venha a fazer) parte do seu conhecimento de mundo como por exemplo, os termos de origem inglesa que compõem o vocabulário do mundo do futebol: córner, pênalti, off-side etc.
J. L. Fiorin afirma que um idioma se caracteriza por uma gramática e por um fundo léxico comum. Se em nenhum dos casos o estrangeirismo afetar a base estrutural da língua não haverá descaracterização do idioma, pois é a gramática que sistematiza as pronúncias dos empréstimos estrangeiros por meio de elementos fonológicos usados em conformidade com a morfologia e a sintaxe da língua portuguesa; segundo porque o chamado fundo léxico comum, no caso da língua portuguesa, é formado por palavras herdadas do latim, como por exemplo, as classes gramaticais, com exceção dos substantivos que, por denominarem objetos materiais, estão sempre se renovando, estando mais vulneráveis às influências estrangeiras – não há possibilidades da descaracterização do idioma português como defende Aldo Rebelo em seu PL.
Outro colaborador deste livro é Paulo Coimbra Guedes[6], que afirma: “O discurso do deputado Aldo Rebelo é o mais retrógrado, obscurantista e autoritário de todos os que, no Brasil, falam de língua.” (p. 137)
Para P. C. Guedes o inglês norte-americano não é o único idioma a abusar do povo brasileiro. É do nosso conhecimento que o latim e o francês causaram danos irreversíveis à cultura brasileira, extinguindo, por exemplo, mais de mil línguas indígenas que foram faladas no Brasil por meio de uma lei  imposta por Pombal.
Sobre isso, Marcos Bagno, em seu texto “Cassandra, Fênix e outros mitos”, afirma que a proibição da língua geral cortou os vínculos do povo brasileiro com seus ancestrais indígenas, esmagando a semente do que talvez fosse a constituição de uma “identidade nacional verdadeira”. Assim não seria necessário buscar uma identificação com algo que está fora de nós, como em uma Europa distante e estranha, mas sim  procurar nossas raízes em nosso próprio espaço físico e cultural, e essa imposição conservadora que extingue línguas e elitiza uma variação, determinando como erradas e incultas as outras variações do idioma, é o conservadorismo, do qual está pautado o deputado Aldo Rebelo, autor do  assunto em pauta .
No artigo “Estrangeirismos: desejos e ameaças”, de Pedro M. Garcez[7] e Ana Maria S. Zilles[8],  há uma preocupação inicial em conceituar o termo estrangeirismo, bem como relacioná-lo aos conflitos dentro da comunidade que faz o empréstimo, por ocorrerem choques entre  associação de estrangeirismos e valores culturais. No entanto, afirmam que os conflitos causados por questões lingüísticas envolvendo estrangeirismos, são discursos superficiais sobre a natureza da linguagem.
 Os estrangeirismos, na perspectiva dos autores deste artigo, na maioria das vezes, têm vida curta ou são incorporados naturalmente à língua . 
Este tipo de lei que vê no elemento estrangeiro uma ameaça à identidade nacional, traz subentendida a idéia de que se pretenda defender, também, uma só língua, a língua de poder, sob controle da classe dominante. Neste sentido, supõe-se que, queiram mantê-la pura também dos ataques e influências internas, das variedades não-prestigiosas da língua, faladas pelos que não têm poder, que não escrevem e não consomem.
Como afirma Fiorin, o deputado Aldo Rebelo aproxima-se muito, em seu discurso dos conservadoristas, como é o caso do gramático Napoleão Mendes Almeida, que acreditava que aqui no Brasil se falava uma variante imprecisa e incorreta da língua portuguesa, acrescida de mestiçagem de falares indígenas e africanos, que corromperam a língua vernácula.
Baseado nesses moldes, ultra-conservadoristas, que fundamentam o PL do deputado A Rebelo. Segundo Sírio Possenti[9], o PL cria possibilidades de preconceito lingüístico ao proibir o uso de termos estrangeiros como os provocados por Getúlio Vargas sobre as comunidades imigrantes do Sul do Brasil, durante a Guerra de 1940.
Em seu artigo Possenti reconhece que as línguas são meios de dominação, como destaca Rebelo na justificativa do PL, mas sugere também, em tom irônico, que este PL inibe a entrada de produtos que trazem consigo seus nomes e outros elementos lexicais, como, por exemplo, à informática, que são, segundo Possenti,os elementos que mais colaboram para a adoção de estrangeirismos. Depois retifica (p.165):

Não digo que se deva inibir a entrada de produtos, mas imagino que, sem   isso, eles serão inevitavelmente acompanhados de elementos da língua de origem dos produtos sem que nada possa fazer para atuar diretamente sobre o fenômeno (a não ser coletar multas).

         Como sabemos, os estrangeirismos não representam o fim de uma língua,  muito menos o seu empobrecimento .O processo é justamente o contrário, pois ao incorporar termos, vem enriquecer o seu léxico. “Os excessos como leitos dos rios depois das cheias, voltam ao leito anterior”.
O léxico do português foi formado de empréstimos, das línguas indígenas, do árabe, das línguas germânicas, do italiano - quem desconhece o significado da palavra “pizza”? E que palavra “brasileira, ou da língua portuguesa” poderia substituí-la?  Entre os intercâmbios lingüísticos, pode-se dizer que o português não só recebeu influência estrangeira como também influenciou, como afirma Fiorin (p. 125).
Do ponto de vista do PL Possenti (p. 164) afirma:

O que constitui uma língua é sua gramática, isto é, seus sons (sua distribuição), seus padrões silábicos, sua morfologia (seu sistema flexional por exemplo), sua sintaxe. Neste domínio, o português está absolutamente intocado.

Marcos Bagno[10] (p. 74), dá um exemplo de como o estrangeirismo não altera a estrutura da língua: “O Office-boy flertava com a baby-sitter no hall do shopping center.”
Esta oração obedece às regras de sintaxe e morfologia da língua.
portuguesa, segundo Bagno, e apesar dos termos serem em língua estrangeira. Fato que demonstra que mesmo diante de expressões estrangeiras a estrutura da língua permanece intacta.
         Outro aspecto que deve ser  observado, é que o inglês é considerado uma língua de comunicação universal, que chega pelas agências internacionais de notícias e entra através dos jornais. Muitas vezes por não encontrar um significado para a palavra nova, como “sfirra”,por exemplo.
O inglês é para nós questão de sobrevivência, ou melhor, o mundo todo é obrigado a usá-lo para se comunicar. Com a globalização, as pessoas vão percebendo a equivalência entre as línguas e isso não chega a ser uma invasão. Além disso, é do conhecimento geral que, a influência de uma cultura, ou de um povo sobre outro é inevitável, pois não se vive isolado. Com isso, o mundo da Internet, dos esportes, da publicidade ganha uma nova opção.
         O mais importante é que, o empréstimo de palavras da língua inglesa se torna não só comum como necessário, sem inglês, nos dias atuais, as possibilidades de se encontrar um bom emprego são mínimas. Sabe-se que em nosso país quem tem o domínio da língua inglesa tem prestígio.
         Por outro lado, o povo brasileiro sofre tantas humilhações e muito piores, por que se preocupar com o abuso do estrangeirismo? Quem sabe, muitas dessas palavras soarão tão brasileiras como o “futebol”. Imagine se ela não existisse, com certeza ouviríamos com freqüência aos domingos: “Hoje tem ludopé na televisão”.
         Portanto, sendo a língua um fator cultural, típico de cada povo, algo extremamente particular que carrega tudo que caracteriza uma sociedade, incluindo a situação econômica e social, não é novidade ninguém que nossa situação social econômica, política e cultural é das piores possíveis.
         O custo de tudo isso é uma sociedade totalmente deixada ao “léu” por seus governantes, apresentando altos níveis de desemprego, miséria e analfabetismo.
         Tendo em vista tais considerações, o projeto do deputado até que seria de grande importância, pois trata-se de uma tentativa de resgatar um pouco de uma das pouquíssimas manifestações que nos diferenciam do resto do mundo globalizado: a língua portuguesa. Por outro lado, estaria barrando as opções da língua. Para o deputado, a história nos ensina que uma das formas de dominação de um povo sobre outro se dá pela imposição da língua. Contudo, o projeto tem segundas intenções,talvez um fundo político.
         Diante dessa concepção, a credibilidade do projeto está completamente abalada e, portanto discutível.Visto dessa forma, não podemos acreditar num discurso ideológico, pois além de apelativo, não é embasado em comprovações científicas que demonstram sua credibilidade.
         Imaginemos agora se o projeto de Aldo Rebelo fosse aprovado e implantado nos dias de hoje; teríamos de trocar computador por ordenador, rap por canto metralhado. E como chamaríamos a pizza, a sfirra, e os nomes dos restaurantes italianos? Que outra palavra poderia utilizar para se referir à panqueca? Essa proposta é inadequada,  tão ridícula quanto o projeto do médico Castro Lopes.  
         Dessa forma, é importante retomarmos as idéias do lingüista Carlos Alberto Faraco, quando ressalta que as questões em torno da língua em nosso país e, portanto em nossa sociedade, são praticamente inexistentes, então se faz necessária a conscientização do povo para as questões que envolvem sua própria cultura.

FARACO, Carlos Alberto (org.). Estrangeirismos: guerras em torno da língua. 2ª ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2002.


[1] Carlos Alberto Faraco é Professor Titular de Língua Portuguesa da Universidade Federal DO Paraná; doutorou-se em Lingüística na Inglaterra, tendo feito estágio de pós-doutorado na University of Califórnia.
[2] Aldo Rebelo, deputado federal filiado ao Partido Comunista do Brasil (PC do B).
[3] PL, Projeto de Lei 1676/99 que proíbe o uso de palavras estrangeiras no Brasil.
[4] Francisco S. Borba, Lingüista especializado em dicionários e autor de diversas obras sobre a Língua Portuguesa.
[5] José Luiz Fiorin, professor do Departamento de Lingüística da Universidade de São Paulo.
[6] Paulo Coimbra Guedes, professor de Língua Portuguesa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutor em Lingüística Aplicada.
[7] Pedro M. Garcez, PhD em Educação, Cultura e Sociedade pela Universidade da Pensilvânia, Estados Unidos.
[8] Ana Maria S. Zilles, doutora em Lingüística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
[9] Sírio Possenti, professor de Lingüística no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. Autor de Por que (não) ensinar gramática na escola (1996).
[10] Marcos Bagno, doutor em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo.

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