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domingo, 26 de setembro de 2010

Análise: VIDAS SECAS, de Graciliano Ramos



Breve Biografia do autor

Graciliano Ramos nasceu em Quebrângulo (AL), em 1892. Muda-se para o Rio de Janeiro em 1914, atuando como revisor em alguns jornais. Acaba por retornar a Alagoas, fixando-se em Palmeira dos Índios, como comerciante.
Em 1920, fica viúvo. Trabalha como jornalista e participava intensamente da vida política, chegando a ser prefeito em 1928, renunciando em 1930. Publica o seu primeiro livro em 1933, tendo contato por essa época com José Lins do Rego, Raquel de Queiroz e Jorge Amado.
É preso em março de 1936, acusado de ligações com o comunismo (PC), durando até o ano seguinte. Filia-se ao Partido Comunista em 1945, com o fim do Estado Novo. Viaja para a então União Soviética e parte do continente europeu. Morre em 1953, um ano após regressar ao Brasil.
OBRA: ROMANCES: Caetés (1933); São Bernardo (1934); Angústia (1936); Vidas Secas (1938); CONTOS: Insônia (1947); MEMÓRIAS - Infância (1945); Memórias do Cárcere (1953); Viagem (1954); Linhas Tortas (1962); CRÔNICAS - Viventes das Alagoas (1962); 
LITERATURA INFANTO-JUVENIL - A Terra dos Meninos Pelados (1937); Histórias de Alexandre (1944); Histórias Incompletas (1946)

VIDAS SECAS



O romance Vidas Secas foi publicado em 1938; a obra aborda a problemática da seca e da opressão social. Ao contrário dos romances anteriores, é uma narrativa em terceira pessoa.
O romance tem um caráter fragmentário, ou seja, apresenta "quadros", episódios que acabam se interligando com uma certa autonomia. Como coloca o crítico Affonso Romano de Sant'Anna - Estamos sem dúvida, diante de uma obra singular onde os personagens não passam de figurantes, onde a estória é secundária e onde o próprio arranjo dos capítulos do livro obedecem a um critério aleatório. Mesmo com essa estrutura descontínua, há uma proximidade entre o primeiro capítulo :Mudança- a chegada de uma família de retirantes - e o último : Fuga - a mudança da família que, diante da seca, foge para o sul. Esse caráter mostra que o romance é cíclico, onde o mundo se fecha para a família de Fabiano, saindo de uma mera classificação regionalista para mostrar o drama que o Homem sofre com a opressão do mundo.
ENREDO
Podemos sintetizar os capítulos da seguinte forma :

CAP. 1 - MUDANÇA : uma família sertaneja fugindo da seca. Compõe a família : Fabiano, sua esposa Sinha Vitória, os dois filhos do casal caracterizados por menino mais novo e menino mais velho, a cachorra Baleia e um papagaio, que morrera para alimentar a família.
Como o próprio título sugere, a situação da seca acaba por tornar as pessoas (vidas) em amargas (secas), como no episódio onde o menino mais velho senta-se no chão exausto da caminhada. Fabiano tem uma reação totalmente hostil :"-Anda, condenado do diabo...", pois o pai possuía "o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça.".

CAP. 2 - FABIANO : a família se aloja em uma fazenda abandonada. Depois de uma trovoada, o dono da fazenda chega e expulsa a família de retirantes. Fabiano se faz de desentendido e se oferece para trabalhar como vaqueiro. O fazendeiro acaba por aceitar a oferta. Todo capítulo é centrado na análise de Fabiano. De vocabulário reduzido (mais grunhindo do que falando), inveja o seu Tomás da bolandeira, por possuir facilidade em se expressar. O seu caráter isolado, sua rusticidade e o pouco vocabulário o faz se aproximar de um bicho, como ele próprio coloca :" Você é um bicho, Fabiano. ", pois como o narrador revela, ele "Vivia longe dos homens, só se dava bem com os animais ".

CAP.3 - CADEIA : temos a aparição do soldado amarelo ( que reaparecerá no cap. 11) simbolizando a autoridade governamental. Fabiano, que ao ir à cidade fazer compras, acaba por jogar cartas com o soldado amarelo. Depois de um pequeno desentendimento, Fabiano é preso e espancado. Ele tenta compreender sua situação, mas não consegue devido a falta de organização de seus pensamentos. Revolta-se contra a injustiça que sofre, desejando vingança, mas acaba se conformando.
CAP 4 - SINHA VITÓRIA : centrado na esposa de Fabiano , mostra-nos o seu desejo em adquirir uma cama de couro (como a do seu Tomás da bolandeira ). Os esforços nesse sentido parecem inúteis, pois eles tem muito pouco com o que economizar. Nesse aspecto, o narrador mostra o inconformismo de sinha Vitória com a sua situação, ao contrário do marido, que aceita os fatos de forma mais passiva.
Fabiano a compara com o papagaio que morrera, fazendo analogia ao seu caminhado. No entanto, ela se mostra mais esperta do que o marido, além de articular as palavras melhor do que ele.
CAP. 5 - O MENINO MAIS NOVO : o garoto é apresentado como possuidor de um único ideal em sua vida : ser igual ao pai - Evidentemente ele não era Fabiano. Mas se fosse ? Precisava mostrar que podia ser Fabiano.
Querendo imitar o pai, o menino tenta fazer montaria em um bode, acabando por cair. O tombo revela que o garoto ainda não é Fabiano , entretanto, tal fato não o afasta de seu sonho : "... precisava crescer, ficar tão grande como Fabiano, matar cabras a mão de pilão, trazer uma faca de ponta à cintura. Ia crescer, espichar-se numa cama de varas, fumar cigarros de palha, calçar sapatos de couro cru."
CAP. 6- O MENINO MAIS VELHO : nesse capítulo, o menino se impressiona com a palavra inferno. Na tentativa de compreender o seu significado, pergunta a sinha Vitória, que fala pouco e age de modo arbitrário ao repreendê-lo. Busca aprendê-la, pois possuía "... um vocabulário quase tão minguado como o do papagaio que morrera no tempo da seca."
Há uma aproximação dele com Baleia, devido a sua carência, pois a cadela lhe devota uma certa atenção -"a cadelinha era o único ser vivente que lhe mostrava simpatia. "
CAP 7 - INVERNO : início do período chuvoso. Descrição de uma noite torrencial e os temores que a chuva despertava na família de Fabiano, capaz invadir tudo. Fabiano tenta contar histórias enquanto os garotos passam frio.
CAP. 8 - FESTA : a família vai à cidade para as comemorações do Natal . A família veste roupas confeccionadas por sinha Terta para a ocasião. Como Fabiano havia comprado pouco tecido, as roupas ficam muito justas. Com a falta de hábito de usar sapatos, a sensação de ridículo aumenta. Aumenta o sentimento de inferioridade ao perceberem a grande diferença entre esses dois mundos. Fabiano se embebeda, enchendo-se de coragem para fazer provocações. Como ninguém lhe responde, acaba voltando para junto de sua família.
CAP 9 - BALEIA : Baleia adoece (fica hidrófoba). Cai-lhe o pêlo , estava magérrima e com o corpo cheio de chagas. Fabiano resolve matá-la, temendo que passe a doença aos filhos.
CAP 10 - CONTAS : nesse capítulo percebemos a opressão do proprietário rural para com o seu agregado. Fabiano é enganado no acerto de contas com o patrão. Ao comentar que a conta do patrão difere da de sinha Vitória, este se irrita, diz que são os juros e intenciona demiti-lo. Fabiano que acaba por se humilhar e pedir desculpas ao patrão, mesmo sabendo que este está lhe enganando.
CAP 11 - O SOLDADO AMARELO : um ano após ser preso e espancado pelo soldado amarelo, Fabiano o reencontrará na caatinga. Embora deseje vingança, acaba submetendo-se a ele e ensinando-lhe o caminho. Percebe-se que, fisicamente, o soldado é mais fraco do que Fabiano -"O soldado, magrinho, enfezadinho, tremia". Todavia é por ele respeitado por representar o governo -"Governo é governo".
CAP. 12 - O MUNDO COBERTO DE PENAS : Fabiano e sua família preparam-se para partir pelo prenúncio de outro período de seca, que é anunciado pelas aves de arribação. Fabiano atira nos pássaros para garantir alimento para a família para os próximos dias.
CAP. 13 - A FUGA : partida da família de Fabiano. A seca começa a se tornar forte e, não tendo como resgatar sua dívida junto ao patrão, resolvem fugir. Fabiano nutre esperanças quanto ao futuro dos garotos, estudando e morando numa cidade grande ; sinha Vitória pensa um dia poder dormir em uma cama de couro. Mistura de sonhos, descrenças e frustrações em que termina o romance. Mas são somente ilusões -"O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinha Vitória e os dois meninos. "
  ESTRUTURA DA NARRATIVA
 I - TEMPO
A ação ocorre entre dois períodos de estiagem (primeiro e último capítulo). Embora haja algumas referências cronológicas presentes na obra, há uma diluição do tempo cronológico para o predomínio do psicológico.
II - ESPAÇO
Sertão nordestino
III - NARRADOR
Narrado em terceira pessoa, é o narrador que se interioriza nos pensamentos dos personagens para revelá-los ao leitor, já que os personagens possuem uma linguagem precária. Assim, o texto fica estruturado no discurso indireto livre (predominante), onde o narrador "toma posse" do discurso dos personagens para expô-los, evidenciando seus medos, desejos, raivas e frustrações através de monólogos interiores. O foco narrativo ganha destaque ao converter em palavras os anseios e pensamentos das personagens.
 IV- PERSONAGENS
CONSIDERAÇÕES GERAIS :
O grau de verossimilhança na caracterização de Fabiano e sua família é muito grande. A brutalidade da seca faz com que os personagens também se embruteçam, daí a freqüente recorrência do autor ao compará-los com animais, revelando seus aspectos rústicos. Há uma evidente zoomorfização das personagens. Elas não falam, mas grunhem, rosnam, gesticulam e falam palavras soltas. Cabe ao narrador interpretar e expor os seus desejos e anseios.
FABIANO
CAP. 1 - MUDANÇA : uma família sertaneja fugindo da seca. Compõe a família : Fabiano, sua esposa Sinha Vitória, os dois filhos do casal caracterizados por menino mais novo e menino mais velho, a cachorra Baleia e um papagaio, que morrera para alimentar a família. Como o próprio título sugere, a situação da seca acaba por tornar as pessoas (vidas) em amargas (secas), como no episódio onde o menino mais velho senta-se no chão exausto da caminhada. Fabiano tem uma reação totalmente hostil :"-Anda, condenado do diabo...", pois o pai possuía "o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça.".SINHA VITÓRIA
Mais astuta do que o marido, é ela que percebe as trapaças do patrão (cap. 10) e também o início da estiagem (cap. 12). Possui um espírito inconformado com sua situação, tendo como desejo de consumo uma cama de couro igual à do seu Tomás da bolandeira.
Seu inconformismo faz com que ela se transforme em uma pessoa queixosa, sendo impaciente com os filhos e um tanto quanto amargurada.
OS MENINOS
A ausência de nomes e de caracteres específicos acaba por projetá-los ao anonimato, formulando assim um caráter de denúncia. Parafraseando João Cabral de Melo - São tantos severinos / Iguais em tudo na vida.
Enquanto o mais novo vê no pai um ídolo, um modelo a ser seguido, a mais velho já é curioso, possui o desejo de saber.

BALEIA
A conotação do nome Baleia ganha dois sentidos. Além de ser uma ironia requintada feita pelo autor, figura também como uma compensação pela carência d'água.
Ela é humanizada em vários momentos, tornando-se um membro da família, sempre se solidarizando com esta ( o episódio do preá e do consolo que dá ao menino mais novo quando este cai do bode e fica triste). Sua solidariedade é desinteressada, pois além de ser bastante enxotada, fica sempre com os ossos, contentando-se com o pouco.
SEU TOMÁS DA BOLANDEIRA
Personagem que só aparece por meio de evocações (pois já havia morrido), é tido como referência para Fabiano e sinha Vitória . Enquanto Fabiano admira sua linguagem, tentando imitá-la de forma desconexa, sinha Vitória deseja uma cama de couro igual à sua. Dessa forma, ele representa as aspirações de mudança do casal.
O SOLDADO AMARELO, O DONO DA FAZENDA E O FISCAL DA PREFEITURA
Os três personagens são representantes das instituições sociais que oprimem Fabiano . O soldado - corrupto, oportunista e medroso ; o dono da fazenda- exigente, ladrão e opressor ; o fiscal da prefeitura intolerante e explorador.
ESTILO E LINGUAGEM
Há uma certa comparação entre a linguagem do autor de São Bernardo e Machado de Assis. Isso decorre devido ao burilamento da linguagem de Graciliano, clássica. O despojamento de adjetivos é eminente, centrando-se o autor no substantivo (criteriosamente selecionados). Os períodos são curtos, o que realça um estilo conciso, "seco". Graciliano ainda se utiliza de expressões regionais, adequando-os à sintaxe tradicional. A ausência de diálogos se faz presente devido à uma ausência vocabular por parte das personagens, que se comunicam através de onomatopéias, exclamações, resmungos e gestos , enfatizando a animalização dos personagens, que são marginalizados também pelo fator lingüístico. Por esse fator, há a predominância do discurso indireto livre, onde o narrador, através de monólogos interiores, ordena logicamente o discurso dos personagens.

BIBLIOGRAFIA
RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. Rio de Janeiro, Record, 1998.
CASTRO, Dácio Antônio de. Roteiro de Leitura : Vidas Secas. São Paulo, Ática, 1997.
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo, Cultrix, 1988

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