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domingo, 19 de setembro de 2010

E Vem o Sol, Conto de João Anzanello Carrascoza


Tinham acabado de se mudar para aquela cidade. Passaram o primeiro dia ajeitando tudo. Mas, no segundo dia, o homem foi trabalhar; a mulher quis conhecer a vizinha. O menino, para não ficar só num espaço que ainda não sentia seu, a acompanhou. 
Entrou na casa atrás da mãe, sem esperança de ser feliz. Estava cheio de sombras, sem os companheiros. Mas logo o verde de seus olhos se refrescou com as coisas novas: a mulher suave, os quadros coloridos, o relógio cuco na parede. E, de repente, o susto de algo a se enovelar em sua perna: o gato. Reagiu, afastando-se. O bichano, contudo, se aproximou de novo, a maciez do pêlo agradando. E a mão desceu numa carícia. 
O menino experimentou de fininho uma alegria, como sopro de vento no rosto. Já se sentia menos solitário. Não vigorava mais nele, unicamente, a satisfação do passado. A nova companhia o avivava. E era apenas o começo. Porque seu olhar apanhou, como fruta na árvore, uma bola no canto da sala. Havia mais surpresas ali. Ouviu um som familiar: os pirilins do videogame. E, em seguida, uma voz que gargalhava. Reconhecia o momento da jogada emocionante. Vinha lá do fundo da casa, o convite. 
O gato continuava afofando-se nas suas pernas. Mas elas queriam o corredor. E, na leveza de um pássaro, o menino se desprendeu da mãe. Ela não percebeu, nem a dona da casa. Só ele sabia que avançava, tanta a sua lentidão: assim é o imperceptível dos milagres. 
Enfiou-se pelo corredor silencioso, farejando a descoberta. Deteve-se um instante. O ruído lúdico novamente o atraiu. A voz o chamava sem saber seu nome. 
Então chegou à porta do quarto e lá estava o outro menino, que logo se virou ao dar pela sua presença. Miraram-se, os olhos secos da diferença. Mas já se molhando por dentro, se amolecendo. O outro não lhe perguntou quem era, nem de onde vinha. Disse apenas: Quer brincar? Queria. O sol renasceu nele. Há tanto tempo precisava desse novo amigo. 

Quem que é
JOÃO ANZANELLO CARRASCOZA, A literatura é uma atividade que João, 44 anos, toca paralelamente à atuação como redator publicitário e professor da Escola de Comunicação e Artes da USP e da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Dos 16 livros que escreveu, dez são para crianças. Gosta de explorar temas que trabalhem com o imaginário, as emoções e as descobertas do mundo infantil – essas coisas que, segundo ele, fazem a grandeza da vida. Foi finalista do prêmio Jabuti com os livros Duas Tardes (Ed. Bomtempo) e Dias Raros (Ed. Planeta). 
Com o livro O Vaso Azul (Ed. Ática), ganhou o prêmio Guimarães Rosa, concedido pela Radio France. 

Principais livros do autor: 
 O Vaso Azul, 96 págs., Ed. Ática, tel. 0800-115-152, R$ 26,90 
 Ladrões de História, 160 págs., Ed. Atual, tel. 0800-0117-875, R$ 22,80 
 O Menino Que Furou o Céu, 32 págs., Ed. Scipione, tel. 0800-161-700, R$ 22,90 
 O Jogo Secreto dos Alquimistas, 160 págs., Ed. Atual, R$ 20,90 

Obras de outros autores sobre o mesmo tema ou gênero: 
 Pluft, o Fantasminha, texto de teatro de Maria Clara Machado, 143 págs., 
Ed. Companhia das Letrinhas, tel. (11) 3707-3500, R$ 26 
• “Os Gatos”, do livro A Disciplina do Amor, Lygia Fagundes Telles, 148 págs., 
Ed. Rocco, tel. (21) 3525-2000, R$ 23
Plano de aula  Conto: texto enxuto com final de impacto 

As ações acontecem em um espaço delimitado e em um tempo curto. A característica principal do conto é a síntese. Por esse motivo, o autor tem de selecionar bem o que deseja enfatizar, eliminando análises detalhadas de personagens e ambientes e longas complicações de enredo, comuns no romance e na novela. O gênero apresenta os mesmos elementos de qualquer outro texto narrativo: fatos em seqüência, personagens, espaço, tempo e narrador. Porém, nele, o desfecho é essencial e sempre traz uma revelação.
De origem desconhecida, o conto está associado ao desejo do homem de compartilhar acontecimentos, sentimentos e idéias. Seu aparecimento remete às narrativas orais que aconteciam ao redor de fogueiras, comuns aos povos antigos. O conto popular e os da tradição oral estão na base da literatura escrita. Os exemplares mais típicos vêm do Oriente. Títulos como As mil e Uma Noites, Aladim e a Lâmpada Maravilhosa e Ali-Babá e os Quarenta Ladrões são alguns deles.
A partir do século 19, o conto conquistou seu lugar definitivo. O Brasil revelou grandes nomes nessa área, como Machado de Assis (1839-1908). Outros importantes escritores como Monteiro Lobato (1882-1904), Mário de Andrade (1893-1945), Guimarães Rosa (1908-1967) e Clarice Lispector (1920-1977) também são contistas de destaque. Ainda hoje, os brasileiros continuam a tradição com Lygia Fagundes Telles, Dalton Trevisan e Ignácio de Loyola Brandão. Na literatura estrangeira, merecem registro o americano Edgar Allan Poe (1809-1849),o belga-argentino Julio Cortázar (1914-1984), o colombiano Gabriel García Márquez, o russo Anton Tchecov (1860-1907) e a inglesa Virginia Woolf (1882-1941).
A leitura de E vem o sol, do escritor paulista João Anzanello Carrascoza, vai ajudar seus alunos a se familiarizar com o gênero. O autor, que além de escritor é publicitário e professor, conseguiu nesse texto representar bem as características do conto. Você vai poder mostrar às turmas de 7ª e 8ª séries quais são elas com esse plano de aula preparado pela professora Heloisa Cerri Ramos, consultora de Língua Portuguesa, em São Paulo. 

Um texto rico em figuras de linguagem 

Antes de apresentar o conto à turma, provoque uma discussão sobre a importância da amizade. Peça aos alunos para imaginar a vida com e sem companheiros. Como seria? Nessa discussão, não é importante chegar a conclusões, e sim provocar uma reflexão sobre como a vida fica mais leve quando temos com quem conversar, brincar e passear.
Leia o texto E vem o sol em voz alta e apresente o autor aos estudantes. Depois, peça a eles para comparar a discussão inicial com a situação vivida pelo personagem principal.
Em seguida, oriente a classe a observar que há um narrador em terceira pessoa. Ele apresenta cinco personagens que não têm nomes — apenas são chamados homem, mulher/mãe, vizinha, menino e outro menino. Os acontecimentos são breves: tudo acontece em dois dias. No primeiro, ocorre a mudança. No segundo, enquanto o homem sai para trabalhar, a esposa e o filho vão se apresentar à vizinha. É nesse momento que o protagonista conhece o gato e o outro garoto. O espaço está limitado a uma sala, um corredor e um quarto. A ação se concentra apenas no menino que acabou de se mudar.
As características da linguagem são outro aspecto importante a ser analisado. Ela é rigorosa e enxuta, e o autor faz isso de forma consciente. O substantivo é privilegiado pela economia de adjetivos, os períodos são curtos, não há diálogos e o sinal de pontuação dois- pontos é empregado por duas vezes para expressar síntese — ambas no segundo parágrafo. Também há o uso de recursos expressivos, como a metáfora, a comparação, a elipse, a personificação e a antítese. Peça para seus alunos localizarem esses recursos no texto. Alguns exemplos. Metáfora: "(...) Estava cheio de sombras (...)". Comparação: "(...) como sopro de vento no rosto (...)". Elipse: "(...) a maciez do pêlo agradando (...)". Personificação: "(...) Mas elas [as pernas] queriam o corredor (...)". Antítese: "(...) Só ele sabia que avançava, tanta a sua lentidão: assim é o imperceptível dos milagres (...)".
Peça à garotada também para relacionar o título ao texto. Como o personagem se transformou? O que aconteceu entre o início e o fim da narrativa? 

Hora de adaptar e criar para entender o gênero 

Depois que a turma já tiver conhecido o estilo literário, proponha que o conto seja transformado em história em quadrinhos. Com essa atividade, os jovens vão perceber a seqüência de eventos e a relação de causa e conseqüência entre eles, além de detectar elementos característicos de qualquer narrativa.
Adaptando E vem o sol, a turma se apropria dos recursos de linguagem estudados. É possível fazer isso atribuindo nomes aos personagens, especificando o tempo, incluindo diálogos e até evitando a linguagem metafórica. Tudo que o original não exibe. Depois disso, peça aos estudantes para comparar o conto de Carrascoza com a própria produção. Dessa maneira, se destacam os recursos que conferem ao texto status de conto e de literatura.
Outra proposta é escrever um conto em que ocorre uma mudança de humor do personagem em um curto espaço de tempo por causa de algum acontecimento. Por fim, oriente os alunos a elaborar uma antologia com os contos produzidos pela classe.
Material necessário
Cópias do texto E vem o sol, de João Anzanello Carrascoza, e contos de diferentes autores e épocas (veja sugestões em Quer saber mais?) 

Objetivos 
Conhecer a origem do conto; ler e compreender o texto E vem o sol; analisar os elementos que caracterizam o gênero; e produzir um conto. Texto

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